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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Clero de Bom Humor – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

O Padre Gilson, ao celebrar missa na Lagoa Redonda, um bairro da periferia de Fortaleza, ouvia uma resposta diferente para a tradicional saudação: “O Senhor esteja convosco”. Apurou bem os ouvidos e notou que uma velhinha, que sentava no banco da frente, assim respondia a essa oração: “Ele está com medo de nós”.
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Padre Pita, um irmão do nosso inesquecível Padre Lauro, era também muito apegado à sua carteirinha de cédulas. Quando rezava a missa das nove horas do domingo, em Fortaleza, ao pronunciar o “eu pecador” e dizer: “porque pequei muitas vezes, por minha culpa,” (bateu com a mão nos peitos e sentiu falta da carteira), imediatamente colocou as mãos sobre os dois bolsos laterais da batina, enquanto dizia: “por minha tão grande culpa”, (e a carteira também não estava lá). Por fim, prosseguiu a oração levando as mãos aos dois bolsos de trás, exclamando: “por minha máxima culpa”. Gritou: “Roubaram minha carteira!”
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Os alunos do Curso Cientifico do Colégio Diocesano do Crato viram um jumento roendo tocos de capim de burro pelos cantos do meio-fio da Rua Nelson Alencar. Conduziram o animal até a sala de aula, durante o intervalo do recreio. O Padre David entrou para aula de Física, fez de conta que não viu o animal na sala e ministrou sua aula com toda tranqüilidade possível, como era seu costume. Ao final, foi até o local onde o jumentinho a tudo assistia com redobrada atenção e assim falou para o burrico: – “Avise aos seus colegas que na próxima aula vai haver prova.”
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Anualmente, o saudoso Padre Murilo celebrava a páscoa dos funcionários da Coelce em Juazeiro do Norte. Entre as inúmeras virtudes das quais ele era possuidor, uma eu admirava muito, pois assim como eu, ele era torcedor do Vasco da Gama do Rio de Janeiro. Em 1988, a páscoa ocorreu depois de um jogo decisivo do Vasco contra o Flamengo. O Vasco sagrou-se campeão carioca, ao vencer seu rival com um único gol marcado pelo jogador Cocada, um ex-flamenguista. Na benção final da missa, após pronunciar a mensagem: “Ide em paz, que o Senhor vos acompanhe”, o Padre Murilo emendou: “Agora vocês vão para casa, comam uma cocada e bebam um copo d’água.”
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Dario Maia Coimbra, mais conhecido pelos juazeirenses por “Darinho”, devia vinte cruzeiros a um amigo que faleceu, sem que antes ele tivesse pagado tal dívida, naturalmente corroída pela inflação. Então ele foi se informar com o Padre Murilo, se ele poderia celebrar uma missa pela alma do seu credor com o dinheiro daquela dívida, e mandar o que sobrasse para os familiares do morto. Padre Murilo lhe respondeu que com aquela quantia não daria para celebrar nem meia missa. – “Nem mal celebrada?” – Insistiu Darinho. – “Nem celebrada por mim.” – Respondeu Padre Murilo.
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Padre Quinderé, talvez o mais espirituoso dos sacerdotes cearenses, chegou atrasado para celebrar a missa das seis horas na Igreja do Carmo. Quando vestia os paramentos na sacristia, uma velhinha se aproximou pedindo para que ele a ouvisse em confissão, pois não desejava passar um dia sem comungar. Ele lembrou-se que a confessara na tarde anterior e perguntou: “Criatura de Deus, que pecado tão grave você cometeu de ontem para hoje?” Então a beata perguntou: “Padre, eu queria saber se ventar na Igreja é pecado?” – “Depende, se não apagar as velas, pode ventar à vontade.”
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Os vizinhos do Padre Quinderé estavam escandalizados com o que se passava na casa do sacerdote, situada numa esquina. Então convocaram um senhor muito católico para ir falar com ele. “Monsenhor, desculpe-me vir até aqui ocupar seu precioso tempo. Mas está acontecendo uma coisa na sua casa, que está chocando toda a vizinhança. Temos certeza que não é do seu conhecimento.” – “Explique-se logo homem.” – Suplicou-lhe o padre, com muita curiosidade. – “É que a Maria, sua cozinheira, deixa a janela do quarto do oitão somente encostada e depois das dez horas da noite, o namorado dela entra no quarto pela janela.” O padre agradeceu a informação e prometeu tomar as providências. Cedo da noite, armou uma rede no quarto do oitão e disse para a empregada: “Maria hoje eu vou dormir aqui. Você vá dormir no seu quarto.” – “Mas padre, e o leite que eu recebo do leiteiro todas as manhãs pela janela?” – Perguntou-lhe a empregada. – “Vá receber pela porta da frente.” – Dito isso, o padre deitou-se e aguardou até as dez horas da noite. Ouviu a janela ser aberta e fez-se dormindo. O namorado da Maria foi direto para rede e passou a mão por baixo. O padre levantou-se de um só pulo e disposto a enfrentar o invasor, perguntou: – “Que é que você está fazendo aqui, rapaz?” – “Padre Quinderé, desculpe se eu lhe acordei, mas eu só queria saber que dia é hoje?”– Gaguejou o namorado da Maria. – “E você está pensando que o meu “fiofó” é calendário? ”– No dia seguinte, Maria não amanheceu mais na casa do padre.
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Padre Quinderé, no final da vida, retirou-se para Maranguape, sua terra. Definhava a olhos vistos, estando em pele e osso, além de cego. O Arcebispo de Fortaleza foi visitá-lo. Para confortá-lo disse: – “Padre Quinderé, o senhor é um homem feliz. Está preste a atravessar os umbrais do Paraíso e falar com Jesus, contemplar a face de Deus.” E o padre, com a voz quase inaudível, sussurrou: – É, mas Maranguape é tão bonzinho!”


NOTA: Monsenhor José Alves Quinderé foi um sacerdote de extraordinárias virtudes, aliada a alegria de viver consolidada pela fé na ressurreição. Ex-professor de Latim do Liceu do Ceará, fundador do Colégio Cearense, deputado estadual em duas legislaturas e secretário do Arcebispo de Fortaleza, Dom Manoel da Silva Gomes.
Para saber mais sobre o Padre Quinderé, recomendo aos amigos a leitura do livro: “Padre Quinderé, o Apóstolo da Alegria.” de Fernanda Quinderé, Edições ao Livro Técnico, Fortaleza – 2004.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

5 comentários:

  1. Carlos Eduardo.

    O seu conjunto de boas historias me fez lembrar e eu peço permissão para contar pelo menos duas da Varzea-Alegre.

    01 - A unica padaria e a unica farmacia existente na cidade pertenciam ao mesmo dono. O Padre Otavio, que voce chegou a conhecer precisou comprar um remedio e chegando à farmacia perguntou se tinha o remedio e o preço. Quando recebeu a informação do valor do preço deu o maior pinote: é caro assim porque não tem concorrente. Varzea-Alegre já era para ter duas Farmacias, duas padarias.... O dono da farmacia disse dois Padres. Em cima da bucha ele respondeu: dois padres não, que um morria de fome.

    02 - A conhecida Chichica, Chica do rato, fcava bem a frente do altar onde o Padre Mota celebraca a missa. Sempre que o padre falava: O Senhor esteja convosco! Ela respondia: E comigo e contigo tambem.

    Feliz Natal e Prospero Ano Novo.

    A. Morais

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  2. Caro Morais

    Eu deveria ter lhe mostrado um rascunho deste texto antes, pois sei que ele sairia bem mais enriquecido. Essa do Padre Otávio é boa demais! Mas mesmo assim tomei a liberdade de incluir a história de Darinho com o Padre Murilo que eu li num comentário seu do ano passado e reproduzi da forma que me lembrei.
    Um abraço e Feliz Natal para você e toda sua família.

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  3. Carlos Eduardo

    Contam que o Senhor João Saraiva do Sitio Brejo em Varzea-Alegre produzia em seu engenho uma rapadura muito preta.

    Quando estava na feira vendendo o Padre Otavio passava e dizia: Seu João o povo está falando que essa rapadura do Senhor é preta assim porque o senhor não tira o olho da cana! Seu João respondia: seu vigario nem tudo que o povo fala é verdade.

    Na outra feira mesma coisa, o Padre disse seu João o povo está falando que a rapadura do Senhor é preta assim porque o senhor não tira a tiborna da garapa. Seu João respondia: seu vigario nem tudo que o povo fala é verdade.

    Na terceira vez quando o Padre se aproximou seu João se antecipou: Seu Padre, o povo está falando que o menino que fulaninha está esperando é filho do senhor. O padre disse: Seu João nem tudo que o povo fala é verdade e arribou.

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  4. Carlos Eduardo.

    Dario Maia Coimbra, Darim era tido como de esquerda. Chegou a ser perseguido no periodo da revolução foi preso e interrogado pelo Major do exercito e foi liberado. Um dia a missa das seis terminou e o Padre Murilo ia saindo no seu fusquinha e deu carona ao Dario. Quando passavam na Praça Padre Cicero, Leandro Bezerra perguntou: O que significa isso Padre Murilo? Ele respondeu: É a Igreja a serviço do comunismo!

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  5. Carlos Eduardo.

    Certa feita eu estava conversando com dona Dalvinizia Esmeraldo e vieram em nosso direção Pedro de Norões e Padre Gomes. Eu perguntei: Padre porque o Senhor usa sempre sua batina? Ele respondeu: meu filho se perguntasem a um desconhecido quem vem lá, ele respoderia um homem e um padre. Se eu viesse sem batina certamente a resposta seria são dois homens. Riu e seguiu com um pacote de livros debaixo do braço.

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