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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Dizem que aconteceu em Ubá, cidade do interior de Minas Gerais

Tinha na cidade um cara cujo apelido era Cabeçudo, nascera com uma cabeça grande, dessas cuja a boina dá pra botar dentro, fácil, uma duzia de laranjas. Mas, fora disso, era um cara pacato, bonachão e paciente. Não gostava, é claro, de ser chamado de Cabeçudo, mas desde os tempos do grupo escolar, tinha um chato que não perdoava.

Onde quer que o encontrasse, lhe dava uma palmada na cabeça e perguntava: "Tudo bem Cabeçudo?" O Cabeçudo, já com seus quarenta e poucos anos, e o cara sempre zombando dele. Um dia, depois do centésimo tapinha na sua cabeça, o Cabeçudo meteu uma faca no engraçado que morreu na hora.

A família da vítima era rica, a do Cabeçudo, pobre. Não houve jeito de encontrar um advogado para defendê-lo, pois o crime tinha muitas testemunhas. Depois de apelarem para advogados de Minas e do Rio, sem sucesso algum, resolveram procurar o Zé Caneado, um advogado que há muito tempo deixara a profissão, pois, como o próprio apelido indicava, vivia de porre.

Pois não é que o Zé Caneado aceitou o caso, e passou a semana anterior ao julgamento sem botar uma gota de cachaça na boca? Na hora de defender o Cabeçudo, ele começou a sua peroração assim:
- Meritíssimo juiz, horando promotor, dígnos membros do júri.

Quando todo mundo pensou que ele ia continuar a defesa, ele repetiu:
- Meritíssimo juiz, honrado promotor, dígnos membros do júri.
E o promotor:
- A defesa está tentando ridicularizar esta corte!
O juiz:
- Advirto ao advogado de defesa que se não apresentar imediatamente os seus argumentos...
Foi cortado por Zé Caneado, que repetiu:
- Meritíssimo juiz, honrado promotor, dígnos membros do júri.

O juiz não aguentou:

- Seu moleque safado, seu bêbado irresponsável, está pensando que a Justiça é motivo de zombaria? Ponha-se daqui para fora antes que eu mande prendê-lo.

Foi então que o Zé Caneado disse:
- Se por repetir algumas vezes que o juiz é meritíssimo, que o promotor é honrado e que os membros do júri são dígnos, os senhores me ameaçam de prisão, pensem na situação deste pobre homem, que durante quarenta anos, todos os dias de sua vida, foi chamado de Cabeçudo?

Cabeçudo foi absolvido e o Zé voltou a tomar suas cachaças em paz.

História de domínio público
Postado por: Glória Pinheiro

11 comentários:

  1. Glória:

    Você se lembra de um ditado nordestino que diz: "Tudo demais é veneno"?
    Pois até elogio repetitivo torna-se incoveniente.
    Imagine a vida toda ser chamado de cabeçudo...Pobre Cabeçudo!

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  2. Já estou imaginando que esses "pinheiros", Gloria, Jose Flavio e Jose Savio pertencem a mesma arvore genealogica. Os textos tem uma originalidade digna de louvor. Entendo que o Dr. Caneado nasceu em Matozinho e se criou em Varzea-Alegre e depois de um tempo foi residir em Ubá.hahahaha

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  3. Glória,

    O único grupo que aceita, e até paga, para ser bajulado o tempo todo é político em época de eleição. E se não dá sinais de ira naquele momento, vinga-se depois.

    Assisti ontem ao programa do Boldrin, na TV Cultura. Ouvi alguns "causos" e me dliciei com o Emílio Santiago.

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  4. Minha escritora Glória.
    Certa vez dois irmãos brigavam pela posse de um burrinho, porque um era dono da égua mãe e o outro dono do jumento pai.
    Foram ao juiz e o magistrado pediu para que o mais velho falasse.
    Ele disse:
    - Doutor, vamos fazer de conta que eu sou um jumento de lote e o Senhor é uma égua. se nós cruzar e nascer um burro. De quem é o burrinho?
    - É da pura que lhe pariu!
    O irmão pegou do braço do outro irmão e disse;
    - Vamos mano. O Doutor já resolveu
    O burrinho é de mamãe.

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  5. Pois não é, Armando.
    O pobre do Cabeçudo se deu bem, mas o bom advogado nunca mais defendeu ninguém! rs rs rs

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  6. Morais, deixe de pilhéria, homem! No Sanharol só tem dois Pinheiro, cujo dois são José. Um fundou Matozinho e o outro falou tanto das coisas de Várzea Alegre e do sertão...Acabou indo ao Rio de Janeiro buscar o seu troféu.
    Gostei de Saber que o Dr. Zé Caneado nasceu em Matozinho, se criou em Várzea Alegre depois viveu em Ubá, virou mineirinho calado bem desconfiado mas deu no que deu. Somos todos testemunhas da sua esperteza.

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  7. Sobre o primeiro parágrafo, Dr. Sávio, concordo plenamente.

    Já sobre o segundo ele agora deu pra prosear muito bem, ultimamente, com Caetano e Milton N. Agora eu pregunto o que esses dois bãos demais da conta tem a ver com as coisinhas do mato?
    Quando o carnaval passar tudo vai ser diferente... Pro mode que tem um jarrinho de fulô bem aprumadinho...

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  8. Já tô me sentindo uma papagaia lá da Chapada do Araripe, mas não podia deixar de responder a você, Raimundinho.
    Não sabia que o poeta e contador de causos é também um bom piadista.
    Um abraço a você e à todos do blog do Sanharol.

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  9. É...

    Gloria Pinheiro

    Trata-se de um anedota incorporando uma singular lição de vida.

    O mundo é mesmo assim.

    abraços do

    Vicente Almeida

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  10. Ao bom filósofo Vicente Almeida agradeço o comentário.
    Tenho certeza que o seu amigo e compadre, o dono do blog, aprecia muito sua presença entre nós. E eu também!
    Um abraço
    Glória

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