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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quarta-feira, 3 de março de 2010

LITERATURA DE CORDEL - Por Mundim do Vale

Nasci no meio rural
Puxado por cachimbeira,
Foi Antônia Cabeleira
Quem fez o parto normal.
Depois houve um ritual
Do meu pai muito Apressado
Saindo com um cunhado
Que era muito seu amigo,
PRA ENTERRAR MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

O momento mais profundo
Foi meu pai olhar por baixo,
Dizendo: - É menino macho
E vai se chamar Raimundo,
Vou convidar todo mundo
No dia do batizado
Para ver ele abraçado
Por tudo quanto é amigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Para falar a verdade
Muita coisa lá faltava,
Mas minha mãe completava
Com o dom da maternidade.
Sobrava felicidade
Carinho e muito cuidado
E como fui contemplado
Muito agradecido digo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Cresci naquele sertão
Entre riacho e lagoa
Numa convivência boa
Sem saber o que é questão,
Nunca entrei em confusão
Para não ter intrigado,
Fui menino bem criado
E o sertão foi meu abrigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.


Nasci mesmo foi no mato
Na lagoa do arroz
Comendo baião de dois
Sem deixar nada no prato.
Não gosto de espalhafato,
Não creio no mal olhado,
Nem em feitiço botado
Mas me afasto do perigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Dona Maria Vieira
A minha boa vizinha
Sentava toda tardinha
Num banco de aroeira.
Quando eu descia a porteira
Corria para o seu lado,
E o café já passado
Ela tomava comigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Nos mudamos pra cidade
Eu ainda era criança,
Mas guardava na lembrança
Aquela localidade.
Eu não tinha a liberdade
Como tinha no passado
E como era danado
Tava sempre no castigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Depois vim pra Fortaleza
Mas não é o meu lugar
Pois não gosto de morar
Distante da natureza.
Posso jurar com certeza
Que sou matuto quadrado
E pode até ser pecado
Mas pra morar não consigo.
ENTERRARA MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Não posso ficar contente
Com a mudança radical
A vida na capital
É bastante diferente.
A gente vive carente
Comprando só enlatado,
Com um cartão ou fiado
Feito coisa de mendigo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Sempre gostei de rimar
As coisas do meu torrão:
Os valores, a tradição
E os costumes do lugar.
Se alguém quiser falar
Que estou esclerosado,
Caduco e ultrapassado
Pode dizer que não ligo.
ENTERRARAM MEU UMBIGO
NO RIACHO DO MACHADO.

Mundim do Vale
Várzea Aegre - Ceará

8 comentários:

  1. Ê Raimundim, sinto muita saudade da minha querida Várzea Alegre.. Nada desse modernismo me fascina; sou daquelas que saiu do mato mas o mato não saiu de mim...Quem tiver suas europas que fique com elas... Não troco pela minha terra, minha gente e minhas origens.
    Um beijão de saudades...

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  2. He! Mundim é como se estivesse lendo minha estória, ainda bem amigo que o destino e a tecnologia o colocou em meu caminho, assim não esqueço de sentir saudadades das saudades.Vivo hoje em um mundão de concreto mas conservo dentro mim meu enorme jatobá onde enterraram meu umbigo, vai ver que é poristo que sonho em voltar pra lá...Um grande beijo no coração

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  3. Morais, Klébia e Iris.
    Para rimar a nossa orígem, não precisa de nenhum esforço, é bastande compor a lembrança com a saudade, que sai um cordel do nível do Zé Pacheco.
    Abraço lá de nós procês.
    Raimundinho Piau.

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  4. Caro Poeta Mundim,

    Se o meu foi enterrado no Riacho do Machado não sei. Sei que quando a cheia era grande a água invadia nossa casa na Aba da Serra. Deu saudade.

    Abraço,
    Tarciso, filho de Manoel de Antonio Costa.

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  5. Klebia Fiuza, Iris Pereira, Tarciso Coelho.

    Os versos do Mundim não esquecem nada. Fazem lembrar o Chico, o pé de jatobá do Juá, o rio Carás de passagem pela Palmeirinha, a Aba da Serra do Toinho Alves Bezerra, e o nosso Sanharol. E assim de saudade em saudade ele vai alegrando a vida. Valeu Mundim.

    "As coisas do meu lugar,
    Não esqueço nem a pau,
    Meu umbigo ficou lá,
    Na porteira do curral".

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  6. Mais uma fez o nosso grande mestre do cordel Raimundinho conta algo de sua vida em forma de versos e falando das coisinhas existentes no sertão. Você me faz andar em todos os Sítios de Várzea-Alegre por onde passa o Riacho do Machado, onde no período do inverso era o ponto de lazer com os maravilhosos banhos e as pescarias. Meus sinceros parabéns pelo maravilho cordel.


    É prazeroso observar a rima
    Do famoso poeta Raimundo,
    Falando do Riacho do Machado
    O lugar mais bonito do mundo!!
    Terras férteis e agricultáveis
    Como bem já dizia Edmundo.

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  7. Aos comentaristas do blog

    Eu rimo o velho Machado
    Com sentimento profundo,
    Um río do meu agrado
    O mais bonito do mundo,
    Que molha o vale adorado
    Da terra de São Raimundo.

    Abraço do Vale.
    Mundim.

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