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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O visitante – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Por esses dias de muitas chuvas no sul e sudeste do país e quase nenhuma na nossa terra, tenho me lembrado muito do seu Pedrinho dos Carás. Eis ai um homem que foi extraordinário! Falava pelos cotovelos! Baixinho, magro, pele branca, que tostada pela constante exposição ao sol lhe dava uma tonalidade levemente morena. Voz fina, parecida com voz de mulher, mas sem nenhum trejeito que lhe negasse sua masculinidade. Todo ano nascia um menino em sua casa. E ainda mais com a cara do pai para desfazer as dúvidas dos faladores de plantão e dos mais incrédulos.

Seu Pedrinho cuidava de uma grande plantação de arroz do Sítio Cabeça da Vaca no Vale do Rio Carás, município de Juazeiro do Norte. Era possuidor de um raciocínio bastante lógico. Num ano de ameaça de seca aqui no Ceará e de grandes temporais no Rio de Janeiro com desabamento de encostas e algumas mortes noticiadas com insistência pelo radinho de pilhas do seu Pedrinho, seus vizinhos se reuniam para rezar pedindo por chuvas. Era a celebração de novenas ao glorioso São José, realizadas de casa em casa. Porém seu Pedrinho a nada disso participava. E quando lhe perguntavam por que não ia às novenas, lhes dizia com muita convicção: “Meu povo não adianta nada disso, pois nem reza faz chover e nem pecado empata chuva!” E esclarecia aos que não entendiam: “Onde é que o povo mais peca? No Rio de Janeiro. Tá se acabando debaixo de chuva! Onde é que o povo mais reza? No Juazeiro. Seco pra danar!”

Em 1965, nosso vizinho do São José, se submeteu a uma delicada cirurgia em Recife. Poucos meses depois, meu pai foi também ao Recife para um tratamento, tendo retornado em poucos dias, para tentar se recuperar no clima saudável que a vida no campo proporciona.

Quando soube que meu pai estava doente, seu Pedrinho foi até ao São José para visitá-lo. Ao vê-lo passar defronte da sua casa, nosso vizinho o chamou. Ele foi entrando e logo se justificando: “Compadre, eu lhe devo uma visita, mas hoje estou aqui só de passagem, pois vou visitar o compadre Zé Esmeraldo. Depois eu voltarei aqui outro dia para lhe visitar”. Ao dizer isso, sentou-se no alpendre ao lado do dono da casa, com ele conversou toda a manhã. Na hora do almoço, ameaçou se despedir, mas convidado, aceitou. Após o almoço, continuou a conversa e lá pelas cinco horas da tarde se despediu do nosso vizinho dizendo: “Compadre, hoje estive aqui só de passagem. Outro dia eu volto para lhe pagar a visita que lhe devo. Pois hoje eu vim visitar o meu compadre Zé Esmeraldo.”

Quando seu Pedrinho saiu, nosso vizinho comentou com a mulher: “Estou com pena do Zé Esmeraldo. Se esse homem disse que estava aqui só de passagem demorou o dia inteiro, imagina lá na casa de Zé Esmeraldo! Ele vai passar mais de uma semana!”

Realmente, seu Pedrinho demorou quase uma semana nessa visita ao meu pai e não esgotou seu estoque de conversas. Ou de uma boa prosa, como ele costumava dizer.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

2 comentários:

  1. Prezado Carlos Eduardo.

    Num periodo identico a este, nada de chuva, os habitantes do Sanharol se danaram a rezar. Toda noite uma reunião, uma novena, troca de um santo por outro, tudo valia na esperança de chover. Antonio Alves acompanhava as periguinações, e numa delas o padre fazia aquele apelo solene e os fieis respodiam em coro: Senhor, atendei as nossas preces. Antonio Alves, ao contrario dos demais, respondia: "é trabaio perdedido". Sendo advertido pelo padre, que se tratava de coisa seria, Antonio Alves acrescentou: seu vigario pra chover tanto faz rezar como fazer um samba. Um otimo texto, como nós estamos precisando de "Um visitante" nos nossos dias, para espalhar solidariedade, afeto e respeito entre as pessoas. Parabens pelo texto.

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  2. Olá Morais

    Muito obrigado a você pela acolhida aqui no Sanharol e pelo incentivo que sempre dá quando posto qualquer assunto neste excelente blog.
    Um grande abraço.

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