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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 29 de maio de 2010

DAI A IRAN O QUE É DE CÉSAR - POR DR. SAVIO PINHEIRO

Manhã chuvosa em Várzea Alegre. O sol, coberto pelo nevoeiro denso, dava ao dia uma cor melancólica e a intensa umidade do ar mostrava-se através da nossa pele dando-nos uma sensação de desconforto pelo seu aspecto pegajoso. Enfim, o dia tornara-se triste.
Dr. Carlos César Costa, exímio cirurgião do Hospital Regional de Iguatu, que se encontrava em Várzea Alegre nesse dia sombrio contou-nos um caso clínico familiar deveras interessante envolvendo o seu irmão, também médico, Dr. José Iran Costa.
Ao chegar à residência de sua genitora, a agradável e bondosa senhora dona Santinha Bitu, no sítio Baixio do Exu, depara-se com o seu irmão, ídolo e herói deitado em uma frondosa rede branca de varandas largas, totalmente envolto por aquele manto decorativo do nosso artesanato.
- O que houve com ele, minha mãe?
- Está assim há três dias, meu filho. Não come, não bebe e não conversa com ninguém. É uma tristeza, que só vendo. Estou morrendo de pena dele... Até a sua cervejinha está sobrando na geladeira.
Dr. César tentando ajudar o irmão enfermo tenta improvisar um diálogo:
- Iran, o que está havendo? Nossa mãe está preocupada com você, home! Já até comunicou a Agostinho e a Nego de Aninha sobre o seu estado. Não quer se abrir comigo?
Instintivamente, ele abre sutilmente as duas varandas que o encobrem e reverbera:
- O hospital... As promissórias do “Santa Maria”... Todo mundo quer receber... Mas quem tem de pagar tudo é doutor Iran! Nessa hora, num aparece nem um pra ajudar...
- Calma home, tu vai ficar doido por causa de uma besteira dessas! Fique tranquilo, que Cili, minha mulher, vendeu um apartamento em Recife e hoje mesmo eu vou depositar dez mil reais na sua conta, pra você me pagar de dez vezes, sem juros, ta entendendo?
O irreverente Dr. Iran deu calado por resposta e voltou a se cobrir. Dessa vez, com lençol e varandas, deixando no ar uma aura de sofrimento, tristeza e melancolia. Reina um silêncio inquietante.
No dia seguinte, o irmão ainda compadecido com cena tão triste, liga para a sua sofredora mãe, e indaga: - Como está ele?...
Dona Santinha, na sua santa ingenuidade materna, responde prontamente.
- Meu filho, eu acho que o José amanheceu um pouco melhor; pois hoje pela manhã, ele já aceitou tomar um mingauzinho...
Dr. Savio Pinheiro.

6 comentários:

  1. Dr. Savio.

    Hoje, mais do que nunca, voce traz um tema que nos honra e orgulha muito. Dr. Iran foi um obstinado na defesa da saude e bem estar de nossa gente. Todos sabemos as dificuldades enfrentadas para que podesse levar um pouco de conforto a sua gente e seus amigos. Dr. Cesar tinha razão. De que valeu a sua preocupação? Que importancia teve o seu cofrimento? Depois de seu passamento inesperado e prematuro quem passou a sofrer em seu lugar? Revolta-me observar que, hoje em dia, poucos tem a capacidade de manifestar gratidão e reconhecimento a este nosso conterraneo querido. Parabens por este texto razoado e oportuno. Aos familiares do Dr. Iran o nosso agradecimentom e a nossa gratidão.

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  2. Savio e Morais...

    Excelente história. Contadas com detalhes que só o poeta cordelista é capaz. Adorei. Lembrei até do meu padin deitado na rede e o doutor Cézar tentando levantá-lo...
    Um forte abraço

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  3. foi um grande homem que entrou na politica pra ajudar a todos seus conterraneo, sua morte foi muito sentida, e esse texto é maravilhoso

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  4. Zé Sávio, que bela forma de relatar o "sofrimento" de um médico que tudo fez por seu povo e sua cidade. E que muitos não o ajudaram, deitando por terra todo o sonho desse homem.

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  5. Estive em Várzea Alegre no final do 1983 e o prefeito era Dr. Iran. estava sendo realizada a primeira Feira Cultural de Várzea Alegre, e o homenageado era uma das pessoas mais ilustres de Várzea Alegre, o padre Antonio Vieira. Era um homem sem afetação, mais parecia uma pessoa comum, e para mim, um grande homem é aquele que mais se aproxima de um homem comum. Deu-me carta branca para entrar no CREVA onde se realizava a festa para o homenageado. Dona Iolanda, se não me falha a memoria era esse o nome de sua esposa, tratou-me com a gentileza de uma verdadeira primeira dama.

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  6. Morais, Flávio, Israel , Klébia, Francisco,

    A irreverência do Dr. Iran era do tamanho da sua humildade. Agradeço os comentários.

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