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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Qué tarco, qué arco ou qué qui mui? - Por Claude Bloc

Seu Hubert Bloc Boris, meu pai, aclimatou-se nas brenhas da Serra Verde e a essa terra se entregou de corpo e alma e, debaixo de pau e pedra, estava ele nas estradas, na lida, a cavalo ou de jipe.
A Serra Verde nessa época tinha umas 1000 famílias e, mesmo com a ajuda de fiscais, o trabalho era incansável.
Além de outros produtos, havia não me lembro em que época do ano, a colheita do fumo classificado pela qualidade das folhas e depois preparado em rolos. Eu, muitas vezes fui com papai, fazenda adentro, e passava com ele o dia na casa de algum morador para acompanhar e fiscalizar o processo. Eu ia observando aquele movimento e a técnica de enrolar o fumo... O cheiro forte. O sol agindo. E ouvia de meu pai as recomendações para se conseguir uma boa qualidade do produto final. Ouvia igualmente os carões se o serviço fosse mal feito.
O dia se passava assim. Apesar do objetivo de papai ser o trabalho eu, de minha parte olhava além. Ia pra debaixo dos pés de cajarana, arrodeava as goiabeiras, observava as bananeiras e, sobretudo, observava aqueles jardins floridos plantados em latas de querosene o que retratava o cuidadoso zelo da dona de casa. Eu gostava especialmente do cheiro do bugari que rescendia nos finais de tarde.
Tenho certeza de que foram essas incursões pela fazenda que me fizeram amar aquela terra. Terra que me fazia sonhar com reinos que não existiam a não ser dentro de mim. Foi dessas observações que nasceu em mim a poesia, pois eu já nesse tempo, via tudo com uma cor mais forte do que a realidade mostrava.
Na boca da noite meu pai e eu pegávamos o jipe e a gente voltava pra casa meio estropiados. Mas a sensação era de paz. Mais um dia, mais uma etapa cumprida.
A essa hora os grilos já estavam de canto solto azucrinando a noite. Papai ainda passava no escritório para verificar o caixa e também para jogar um dedo de prosa com os compadres ou mesmo jogar 21 rifando bode.
Foi numa dessas que João Luiz “barbeiro” apareceu pelo escritório. Gostava de tomar uma caninha “torada” e também de contar vantagem . Nesse dia, meio “chumbado” foi logo contando “farol” pra papai, Geraldo (motorista) e Maria Alzira (secretária). Mamãe estava por perto e foi quem me contou a marmota.
Disse que conhecia a”Zalagoa”, a Paraíba, de cabo a rabo, Rio Grande do Norte e por aí vai. Disse também ter ido várias vezes a Exu e Serra Talhada. Nesse momento, papai se lembrou de um amigo de quem tinha comprado um carro nessa cidade e perguntou a João Luiz:
- O compadre João conheceu Apolônio?
- Oxente cumpadi, morei lá muitos anos!!

E você: Qué tarco, qué arco ou qué qui mui??

Na foto: Hubert Bloc Boris, Janine Bloc Boris, Dona Letícia (esposa de Dr. Jefferson) e Dr. Jefferson Albuquerque – numa reunião do Rotary, em Crato.
Por Claude Bloc.

11 comentários:

  1. Esta foto dos casais Hubert e Janine, Jefferson e Leticia, traduz a paz e a harmonia de um tempo em que a vida na sociedade era uma continuidade da vida familiar, do lar. Amizades verdadeiras e desinteressadas, sem os perigos da violencia dos dias atuais. Os risos, as alegrias afetuosas transmitem essa ideia da epoca dourada para a humanidade. Quanta saudades e falta sentimos.

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  2. Claude, que lindo texto. Emocionou-me o texto e a foto dos dois.
    Quem conheceu de perto o casal Sr. Hubert e Dona Janine sabe o quanto eram generosos com todos.
    Lembro-me de um senhor idoso e mendigo que eles acolhiam em casa.
    Dona Janine gostava de relembrar sua participação na Resistência Francesa. Apesar de todo o sofrimento que passou na Segunda Guerra Mundial, era uma pessoa serena.
    Sinto saudades dos dois.

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  3. Pensei que fosse o outro texto das inspeções na roça.

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  4. Claude,

    A prosa bem conduzida é uma pérola para os nossos olhos e uma massagem para o nosso ego; porém a prosa poética, método exclusivo dos que possuem sentimentos, é a essência máxima da nossa ação literária.

    Parabéns!

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  5. Obrigada, Morais, pelo apoio aos meus escritos aqui no Sanharol.

    Você acertou em cheio no seu comentário sobre a foto que lhe enviei para ilustrar o texto.

    A vida nesse tempo era bem mais simples. As pessoas tinham amizades eternas que continuavam através dos filhos até gerações posteriores.

    As pessoas podiam se encontrar nas calçadas fazendo uma roda de prosa. Havia risadas e alegria pura e cristalina e o tempo acompanhava tudo com paciência, bem lentamente.

    Os valores eram outros. A vida era outra e as famílias eram unidas e mais felizes.

    Abraço,

    Claude

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  6. Glória,

    Você conheceu minha história de perto. Sabe o quanto Hubert e Janine foram importantes na minha vida. Cada um com seu jeito de ser. Papai extremamente afetivo, agitado em sua luta pra lá e pra cá. (acho que por isso fico circulando sem cansar de Sobral a Fortaleza) Mamãe mais reservada, mas alegre e gentil. Ambos inteligentes e atenciosos, mas traumatizados pela Guerra.

    A história que mamãe contava, era para exorcizar o sofrimento que a guerra lhe havia causado. Não sei se havia orgulho por ter vivido aquilo, mas sim uma aceitação do que a vida lhe reservou e que a tornou melhor e mais preparada para enfrentar o futuro: uma vida de luta e abnegação num país estrangeiro para seguir o homem que amou a vida inteira.

    Abraço,

    Claude

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  7. Sávio, muito me alegra ler de você tão agradáveis palavras. Contei pra Morais como aconteceu a construção dessa história. Ia falar apenas de seu João Luiz "barbeiro "e na hora de escrever o texto foi aparecendo por outro caminho...

    Enfim, o que importa é que você gostou e quem leu também no Cariricaturas apreciou, pelo fato de sempre ao me lembrar do meu pai a emoção tomar "de conta".

    Abraço,

    Claude

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  8. Claude,

    O correto seria: Dona Janine "costumava" relembrar sua participação na Resistência Francesa.

    Você tem total razão, ela necessitava exorcizar todo aquele sofrimento. Não sei se lhe contei. Outro dia tomei um susto vendo um filme sobre a Resistência. Uma das atrizes era tal qual Dona Janine.
    Impressionante!

    E aquele outro texto que me fez lacrimejar, hein?

    Abraço

    Glória

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  9. é a coisa melhor que existe na vida são as memórias e quando se passa pro papel se eterniza, uma história muito bem construida que me emocionou muito,a Claude é uma baita duma escritora, e os sentimentos sai pelos poros e está história de seus pais tornou-se o texto mais agradavél, mesmo vendo e sabendo dos sofrimento de dona Janine a gente se emociona e viva cada frase que o texto nos leva. ele nos prende do início até o fim parabéns Claude

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  10. morais eu estou lhe enviando um novo texto pra vc se gostar poste abraços

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  11. Agradeço a você Israel pela sua generosidade. Vocênem imagina como me senti feliz por todos os comentários. Sua maneira de falar tornou meu texto especial.

    Obrigada.

    Claude

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