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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 7 de agosto de 2010

O MACHADO VINGADÔ -Mais uma enquete do Mundim

Nóis vivia assuguedao
Lá no sítio Lamarão
Tinha lá nosso roçado
Pra prantá mí e feijão.
No sabo eu ia pra fêra
Comprá lá im João Teixêra
Café, querosene e cana.
No domingo ia caçá
Matava peba e preá
Mode cumê na sumana.

Era assim qui nóis vivia
Num tinha coisa mió,
Nóis se amava todo dia
Vicença era meu xodó.
Lá nóis tinha animação
De dibúia de feijão
E fuguêra no terrêro
Tinha zeca aboiadô
Zé Raimundo imboladô
E Juvená violêro.

Vicença minha muié
Num inzigia fartura,
Nunca pegô im meu pé
Era a mió criatura.
Só saía da paioça
Pra levá café na roça
Ou lavá rôpa no ri.
Nóis já tinha apreparado,
Tava inté incumendado
O nosso premêro fí.

Mais quando o pobe tá queto
Parece qui o cão dá fé,
Manda vim um disafeto
Pra prisiguí a muié.
Eu tava lá inucente
Acentado im meu batente
Quando chegô Ricardão.
Entrô sem pidí licença,
Premeêro oiô pra Vicença
Adispois me deu a mão.

Cumeçô falá bunito
Queren do me alugiá,
Eu cunfiei no maldito
Qui falava sem pará:
- Um ome Cuma você
Que trabáia pra vencê
Esse lugá num convém.
Eu arrumei um trabái
Hoje mermo você vai
Trabaiá lá no Pecém.

Você vai num caminhão
Mais Vicença vai ficá,
Eu vpu prestá atenção
Num dêcho nada fartá.
Ela vai tê assistença
Num savexe cum Vicença
Qui eu faço o qui pudé.
Aqui num vai tê pirigo
Qui você é meu amigo
E Vicença tombem é.

Tu vai trabaiá num porto
Qui o gunverno tá fazeno
O Dinhêro corre sorto
Já tem gente inriquiceno.
Cunfiei no condenado,
Currí lá dento avexado
E ajuntei meus terem.
Peguei a truxa cá mão,
Me apiei no caminhão
E me danei pru Pecém.

Andei quais noventa légua
Inriba do caminhão,
Pra quem só andava im égua
Foi a maió afrição.
Finarmente eu cheguei lá
Butaro eu pra trabaiá
Num açude bem grandão.
O bicho tava tão chei,
Qui eu num sei onde era o mei
Nem parêde e nem porão.

O feitô chei de istrupiço
Se dizeno sê letrado,
Mandô faze o serviço
Sem cunhecê o ditado:
- Água mole im peda dura,
Tanto bate até qui fura
É assim no meu lugá.
Tudo qui nóis lá fazia,
Vinha água e distruia
Num se agüentei por lá.

Pidí o meu pagamento
Num quisero me pagá
Eu me escanchei num jumento
Fui batê na capitá.
Foi adonde vei corage,
Pruque me dero a passage
Pra voltá pro Lamarão.
Mais na hora de chegá,
Foi qui fui disconfiá
Do safado Ricardão.

Inquanto eu aviajava
Pra miorá minha vida,
Ricardão atormentava
Minha Vicença quirida.
Dixe qui eu tinha murrido,
Qui no má tinha sumido
Amostrando um telegrama.
A coitada da Vicença,
Qui tinha pôca sabença

Num discunfiô da trama.
Chamô ela pra rezá
No quarto qui nóis drumia,
Mandô ela se adeitá
E abriu logo a barguia.
A pobe discunfiô
Mais ele logo agarrô
Pió qui a gôta serena.
Vicença fez tanto isforço,
Quebrô inté o pescoço
Mais num evitô a sena.

Cheguei no rancho quirido
Dixe: - Ô de casa Vicença!
Quando iscutei um gimido
Pirdí logo a paciença.
Entrei feito um furacão
Vicença tava no chão
Acabano de morrê.
Me contô tudo chorando
E me dixe soluçando:
- Sempre arrespeitei você.

Dei de garra dum machado
Qui eu guardava no oitão,
Afiei bem afiado
E fui atrás de Ricardão.
Quando cheguei no Quexado,
Avistei o condenado
Contando o qui tinha feito.
Eu dividi ele im dois,
Qui era prumode adispois
Doutô nenhum dá mais jeito.

O Lamarão nunca viu
Ôta istóra desse jeito
Nunca mais ninguém buliu
Cum as muié de respeito.
Se chegá gente de fora
O povo com a istora
Do preveço Ricardão.
Qui a mando do Satanás,
Acabô cum minha paz
Lá no sítio Lamarão.

Hoje vivo sem ninguém
Sem paz e sem paciença
Vivo sem amô tombem
Pruque vivo sem Vicença.
Vivo sem terra e sem teto,
Fugindo sem tê afeto
Nesse mundo sofredô.
Mais eu inda tem guardado
E nunca sai do meulado
O MACHADO VINGADÔ.

Quem foi o autor?
Essa vai confundir muita gente.

3 comentários:

  1. Um fato que merece ser publicado, muito ligado as coisinha vividas do sertão. Sem sombra de dúvidas essa é do poeta Raimuninho, cidadão autêntico que se dedica a escrever poesias ligadas ao meio rural como prova de amor aos seus antecedentes familiares que viviam do serviço braçal e desumano da agricultura familiar. Parabéns e um forte abraço a todos da família. Orgulho-me de também fazer parte dessa família.

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  2. Acertaram os três.
    Esse trabalho é da nossa autoria.

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