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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Um jeito de falar esquecido no tempo – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Eu sou de um tempo em que tínhamos mais juízo, pois não víamos televisão, coisa desconhecida por nós cratenses. Falávamos nosso próprio dialeto, hoje substituído pela linguagem padronizada das novelas globais.

Nas tardes de domingo íamos aos programas de auditório das Rádios Educadora do Cariri e Araripe, para vaiar com um sonoro “fiufiu” os calouros que “levavam” “gongo”. E os locutores dessas “estações” de rádio eram chamados de “espiques”.

Que tempos bons aqueles em que nos divertíamos nos dias de feira! As ruas ficavam “apinhadas” de “beradeiros”, que de “boca aberta” “espiavam” “abismados” as janelas do Banco Caixeiral. Mal chegávamos à feira, os “moleques de rua”, “doidinhos” para ganhar alguns “tostões”, iam logo perguntando: “tem carrego”? “Tadinho deles!” Exclamavam algumas “beatas Filhas de Maria”, “compadecidas” daquelas crianças “sem pai nem mãe”. E como era bom ouvir os “chapeados” conduzindo pelas ruas e calçadas “caixões de pinho”, ou grandes “balaios” com as compras e, sufocados pelo peso, gritarem “Óia a mala, óia a mala, óia a mala!...” para pedir passagem no meio da “matutada”.

E quantas vezes eu fiquei na “entradinha” da “Rua da Cruz” esperando a “sopa” para ir ao Juazeiro? Quando as “peruas”, não passavam “entulhadas” de passageiros, eu ia nelas. “Doutras vezes”, algum “chofer” de caminhão “mais camarada" oferecia um “bigu” na “boléia”. Mas para o São José, como “dava só uma légua”, eu ia mesmo era “de pés”. Mas só chegava lá pela “boquinha da noite”, cansado e com “dor desviada”.

Nas seções matinais das séries do Cassino, em dias de domingo, havia uns “cabinhas” “enrolões” que passavam “checho” no porteiro e entravam “de graça”. Era comum a fita “cortar” “parando” o filme. Ouvia-se logo um grito de algum “maloqueiro” exigindo uma “reparação”: “meu dinheiro!” E nós meninos, influenciados por essas séries, quando fazíamos alguma brincadeira mais “arriscada” para “empunhar” os amigos, gritávamos: “thantantan: o perigo da série”!

Perdi a conta de quantas viagens eu fiz no “Misto” do Bodocó que subia a serra pela ladeira da “Matança” e descia na “banda de lá” pela ladeira do “Cancão”, até chegar no “Novo Exu”.

Fui freguês da Casa Abidoral, onde comprava uma porção de “alvaiade” para deixar branquinhos os meus “fanabus” e assim não tirar nota baixa nas aulas de “Educação Física”, que aconteciam às cinco horas da madruga. Quem não fosse com os “fanabus” bem limpinhos levava um grande “carão” do professor, que não tolerava “fanabus emporcalhados”.

Nas noites de domingo as “meninas moças”, usando um “califon” bem maior para os seus tamanhos, “tirado escondido” da mamãe ou das irmãs mais velhas, vestindo “saia godê” sobre “anáguas” com ”bicos” e “bem engomadinhas” e uma blusa “banlon” “arrodeavam” a Praça Siqueira Campos. Perdemos a conta do número de voltas que elas davam em torno da praça. Mas se elas fossem “enfileiradas” na estrada, daria para ir “inté” Fortaleza. Nós, “marmanjos”, ficávamos postados em pé na “beirada” da calçada, vestidos numa calça “faroeste” ou de “tergal” e finíssima camisa “volta ao mundo” para “flertar” com aquelas que nos dirigiam um “encabulado” olhar. E elas comentavam entre si: O meu flerte é um "pão", mas muito "acanhado"! Já faz quatro domingos que ele lança “um olhar pidão” e ainda não teve coragem de “encostar”. E aqueles rapazes mais “atirados” corriam o risco de receber uma “rabissaca” e a qualificação de “bicho veio enxerido”.

De um lado da praça, um grupo de “marmanjos” ficava na calçada da Loja Frigidere para “espiar” as “brechas” dadas pelas “balzaquianas”, quando elas sentavam nos bancos e, provocava os curiosos cruzando as pernas. Em certas ocasiões, as mais “sem cerimônia” recebiam uma “salva de palmas”.

Os “brotinhos” recebiam das mamães a recomendação para voltarem cedo para casa, pois não havia luz elétrica na cidade e, as ruas eram um verdadeiro “breu”. Elas tinham medo dos “rabos de burro”! Então, às nove horas da noite do domingo, a praça ficava um “ôco”. E nós íamos “merendar” na Sorveteria Bantim. Pedíamos uma “bananada”, ou “abacatada”, enquanto alguns comiam um “pão com ovo” acompanhado de “ponche” de maracujá

Quando arranjávamos uma namorada, uns três meses depois, os amigos perguntavam: “Já pegou na mão”? Era a maior ousadia que se permitia e a suspeita de que o namoro “era pra casar”. E quando um casal andava pelas calçadas e o namorado não cedia o lado da parede para a namorada, surgia logo a pergunta: “Tá vendendo?

Todos os dias, “depois” do almoço, “um magote de faladores da vida alheia”, sentava-se no “patamar” da Igreja da Sé para “tirar o couro” de quem passasse “rua abaixo ou rua acima”. Se por acaso um “barbeiro” “guiasse” um velho jipe 52 do pai e “arranhasse” a marcha, vinha logo a exclamação: “Uma abacatada!” E quando se ia contar um boato, perguntava-se antes: vocês me pagam as “alvíssaras”? Se o fato já fosse conhecido, respondiam: “boneco!” Ou substituíam a fala por um gesto equivalente: segurando a ponta da camisa e prendendo-a com os dedos “cata piolho” e o “fura bolo” em forma de circulo.

Naquele tempo, na seleção cratense, o “golquíper” era um Anjo, os “beques”: Silvio e Charuto, os “ralfes”: Peba e Enoque e o “centerfor” era Anduiá. Depois que trocaram os nomes dessas posições, o Crato nunca mais teve futebol que valesse “dois vinténs”.

Se você, amigo leitor, que se “deu ao trabalho” de ler até aqui “essas mal traçadas linhas”, tiver mais de sessenta anos, e não entendeu “patavina”, então é porque você não é “de” Crato! Uma cidade “metida a besta”, que hoje tem costumes globalizados.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

16 comentários:

  1. Carlos Eduardo, tenho 56 anos e muita saudade de tudo que você falou na sua bela crônica. Não sou DE CRATO mas DE Várzea Alegre. Lamento pelos jovens de agora acho que cabe aos pais,tios, avós, enfim parentes mais experientes orientarem essa moçada que anda tão vazia diante desse mundo globalizado. Parabéns pela bela crônica e Feliz Natal!
    Fafá Bitu

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  2. Meu prezado Carlos Eduardo Esmeraldo, não vi essa excelente postagem no Blog do Crato. Aconteceu alguma coisa que eu não estou a par ?

    Um abraço,

    Dihelson Mendonça

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  3. Olá Carlos que beleza de crônica.
    Olha trouxe-me saudades neste velho peito de 59 anos.nasci e vivi em Crato até 84 e sei exatamente do que esta falando, como sei...Felismente só nunca tive foi audácia de subir em algum palco e tentar cantar, rsrsrs, agora se fosse para declamar algum verso ou poesia, aí sim lá estava eu.Lembro como eu aperriava seu Eloi.
    Quanta saudades.
    Obrigada pela lembrança
    Um forte abraço
    Íris Pereira

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  4. Carlos,

    Agora foi a minha vez de sorrir muito com o seu humorado texto relembrando as coisas do Crato.
    Como sou de Crato adorei do começo ao fim.

    FELIZ NATAL EXTENSIVO A TODOS OS QUE FAZEMO SANHAROL.

    Edilma Rocha

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  5. Caros amigos: Fáfá Bitu, Dihelson, Ires Pereira e Edilma.

    Obrigado por pelas palavras de vocês. Confesso que fiquei meio "encabulado" de colocá-lo nos Blog, pois estava achando muito besta. Fiquei feliz por terem gostado.
    Um grande abraço e votos de Boas Festas para todos.

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  6. Carlos, eu tenho por mim que parece que as minhas maiores besteiras foi quando eu acertei mais na vida. E quando eu tentei fazer algo muito perfeito, não agradou.

    Até hoje o meu texto que mais fez sucesso e ainda é comentário aonde eu chego, é aquele texto besta que eu fiz sobre a exposição do Crato, do salto do sapato, lembra ?

    Abração,
    Vai em frente.
    Estou gostando muito desse tipo de texto, porque é original, legítimo, você fala com sinceridade.

    Dihelson Mendonça

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  7. Bom dia Carlos Eduardo, daqui do de longe de minha terrinha nada mais gostoso que me der diante de um texto tão terra, tão lembranças, então não duvide, homem, escreve mais, muito mais, pois sei que nessa cabeça ai tem um tantão de lembranças.
    Um abraço com os ventos sudestes.
    Íris Pereira

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  8. Prezado Carlos

    Eu sou desse tempo, e nunca vi tempo tão bom. Desta vez perdir o privilegio de ser o primeiro a comentar, estava na Rajalegre e só agora abrir o computador para ver essa sua obra de arte. Parabens pelo memoria prodigiosa, e, se voce acha que foi uma besteira, saiba que foi a mais sabia de todas que já vi. Parabens e Deus lhe abençõe.
    Um forte abraço meu amigo e meu camarada.

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  9. Caros amigos Dihelson

    Agradeço mais uma vez o incentivo.

    Morais

    Li hoje aquele texto do jogo da seleção do Sanharol contra a Serra Verde que entrou com time misto reforçada pelos profissionais de Juazeiro e Crato. Senti que na seleção do Sanharol faltou o Deferro.
    Um abraço

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  10. Prezada Iris Pereira.

    Muito obrigado pelo incentivo. posso ljhe remeter meu livro que tem muitas coisainhas do nosso Crato. Mande-me por e-mail: ceesmeraldo@netbandalarga.com.br.

    Abraços e Boas Festas

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  11. Carlos Esmeraldo.

    Neste dia Deferro tinha ido pescar. Depois eu conta a historia da pescaria.
    hahaha

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  12. Sr. Carlos,
    voltei para informa-lo que copiei seu texto em um blog meu blog, perdoe-me a audácia, mas não rezistí e quis passar para meus leitores e que li com tanta satisfação.
    Para sua informação:
    novidadespoesiasdicasefatos.blogspot
    este blog é comunitário, meus amigos podem postarem caso desejem.
    Iris Pereira

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  13. Seu texto me agradou tanto, Carlos, que tomei a liberdade de elogiar. A gente se engana com as pessoas, eu pensava que você era um intelectual daqueles bem esnobes, ainda bem que me enganei. Sou nova por aqui, ainda estou rondando o ambiente. Parabéns mais uma vez pelo texto. Abraço natalino,
    Fafá Bitu

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  14. Carlos Esmeraldo,

    Eu me "estatelei" de "achar graça" com tanta "chacota". Quase cheguei a sentir um "ramo" de "congestão" no sangue. Realmente, um texto em linguagem subdialética pra deixar qualquer um "encarnado" de tanta emoção. "Vôte!"

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  15. Ao amigos

    Fáfá Bitu, Sávio Pinheiro e Iris Pereira.
    Agradeço a generoisade de vocês. Quem diria, Fáfa, eu um intelectual? Nem de longe... sou apenas um escrivinhador de algumas bobagens que vez por outra me afloram na memória. Assim mesmo escrevo e reescrevo várias vezes. Gostaria que vocês me remetesse o endereço residencial para eu presenteá-los com um livro que escrevi há mais de cinco anos contando coisas do Crato e que está praticamente esgotado, isto é uma parte caiu no esgoto da rua da Vala. Meu e-mail: ceesmeraldo@netbandalarga.com.br
    Aguardo.

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  16. Prezada Iris Pereira

    Agradeço por ter postado meu texto em seu blog. Se possível me envie para o meu e-mail o endereço do blog completo, pois tentei acessar e não consegui. Aproveite e me envie o seu residencial.
    Obrigado

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