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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 10 de junho de 2014

Quando o bom exemplo é dado.


Vale a pena lê.
Devia estar assim pelos nove anos – um talento, um gênio em matéria de maroteira. Papai me ensinara, há muito, a marca ou código da loja. Em cada letra um valor determinado, de 1 a zero. Aconteceu que certo dia, numa dessas ”ciestas” de papai, apareceu um caboclo da Serra dos Cavalos, todo jegue, leso e perfeito bestalhão, que, aos meus olhos de psicólogo e ladrãozinho, parecia ser uma boa isca. Perguntou se tinha riscado nacional e pediu para ver. Apanhei umas peças do tal riscado e, com sacrifício, dado o peso, botei-as no balcão. Olhou um cinzento com listrinhas azuis e gostou. Correu a unha na fazenda para ver se era encorpada e... gostou mais, ainda. Já eu havia reparado o preço, escrito a tinta, no rotulo da peça. Lá estavam claras, visíveis e bonitas as duas letrinhas – CS mil e quinhentos, o metro. Quando perguntou o preço, não tive duvida e sapequei: mil e seiscentos. Ele olhou para mim e disse, titubiando – Mas, seu Ferreirinha vende a mil e quinhentos. Tanto bastou para que eu lhe dissesse: Papai só tem um preço e aqui está marcado mil e seiscentos. Olhe aqui. E lhe mostrei, com toda minha sem vergonhice de menino safado, o CS – grande, claro, inconfundível. Diante de tão justa e honesta explicação, mandou que eu medisse 6 metros, entregando os pontos. No exato fim da medida, dei o talho de tesoura e, como não tinha forças para rasgar o pano, pedi-lhe que o fizesse. Dobrei a fazenda, em porções de metros, como aprendera, fiz um pacote decente, passei um cordão e entreguei. Recebi uma cédula de dez mil reis e, na minha cabeça, a conta já estava feita: nove mil e seiscentos... devo voltar quatrocentos reis. Guardei a cédula na gaveta e lhe dei, com a cara mais lisa desse mundo, um patacão de cruzado.
Quando papai chegou e eu fui prestar contas do apurado feito, lá no meio de um maço de pregos, uma enxada, duzentos reis de azeite doce, estavam os 6 metros de riscado nacional, vendido a mil e seiscentos. Papai olhou para mim, solene, e perguntou, muito serio: Seu José... já sabia, havia alguma coisa troncha, qual é o preço do riscado nacional? Mil e quinhentos lhe respondi eu e, continuei: mas, o freguês tinha cara de besta e lhe vendi mais caro!
E aqui tem preço pra quem é besta e pra quem não é? Você conhece esse freguês? Vá pela rua, procurá-lo, devolva-lhe seis seiscentos reis, lhe explique o preço real, peça desculpas. Depois, venha conversar comigo. Entregou-me duas moedas e me despachou com um olhar, a um tempo, decepcionado e decepcionante. Pouco depois, encontrei o homenzinho e lhe entreguei as gaitas solenemente roubadas. Voltei a loja, envergonhado da sujeita cometida e ouvi o sermão da montanha... que foi seguido de seis magistrais bolos, com que Dona Régua me ensinava que os preços de seu Ferreira deviam ser respeitados. Nos dias atuais, com a falta de escrúpulo e de honestidades reinantes, o balconista teria recebido abraços e seu paizinho, diria esta linda frase: Este menino vai longe, nasceu para o comercio. Graças ao bom Deus.

2 comentários:

  1. A historia que conhecemos de seu Ferreira é essa mesma. Honesto, honrado, etico, moral ilibada, e foi justamente essa a maior herança deixada aos seis filhos.

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  2. Herança das mais nobres, que ninguém pode tirar. Seria muito importante que pudessemos, mais e mais, ressaltar iniciativas como o exemplo da postagem, principalmente hoje quando somos bombardeados por todos os lados pela desenfreada correnteza da imoralidade, da falta de ética, do levar vantagem em tudo...é uma pena amigo Morais, parabens pela postagem, precisamos sim, sermos agentes dessa transformação urgente, de carater, de comportamento, de sentimento, de almas.

    Abraços,

    Manoel Severo

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