Páginas


"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Uma lição de civilidade – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Vivíamos no Crato, em outubro de 1958, eleições disputadíssimas. Concorriam ao cargo de prefeito o senhor Pedro Felício Cavalcante pelo PSD e José Horácio Pequeno pela UDN. Os comícios eram concorridíssimos de cada lado. Os udenistas chamavam os pessedistas de “gogó”, e eu nunca soube o porquê, e estes replicavam que os udenistas eram os “carrapatos”, talvez numa referência a esse partido ter vencido várias e sucessivas eleições. O meu pai concorria ao cargo de vice-prefeito na chapa da UDN. Era a primeira vez que esse cargo, desnecessário ainda hoje, era disputado.

Gerson Moreira, um dos meninos mais udenistas que conheci, desde criança um líder natural, organizou um comício dos meninos que a cada dia ganhava mais adeptos. À medida que as eleições se aproximavam mais gente acorria ao comício dos futuros políticos da nossa cidade. Surgiram palanques, sistema de som, todo requinte que os comícios dos políticos de verdade tinham.

Pedro Felício concorria pela quarta vez e compuseram uma paródia musical cujo refrão eu guardo na memória: (“hei Pedro Felício, hei seu teimosão, hei esta será a quarta decepção...”).

Certa noite, houve um desses comícios dos meninos defronte a casa do senhor José Honor de Brito, na Rua José Carvalho, bem perto de onde eu morava. Gerson, quando me viu, me convidou para o palanque e após alguns oradores falarem muito bem, me surpreendeu dizendo: “Agora vamos ouvir o filho do futuro vice-prefeito do Crato!” E de súbito, eu me vi engasgado, com o microfone nas mãos, todo trêmulo e sem saber o que falar. Então cochichei para o Gerson: “O que é que eu digo?” E alguém não identificado respondeu: “Diga que Pedro Felício é um ladrão!” Repeti como uma marionete esse recado, sem ao certo imaginar o que estava dizendo e fui muito aplaudido pela platéia que enchia a rua defronte do palanque.

Ao final daquele comício mirim que se encerrava cedo, provavelmente às oito horas da noite, voltei para casa satisfeito, crente que havia colaborado para eleição do meu partido. Mas por cerca das dez horas daquela mesma noite, eu fui bruscamente acordado pelo meu pai. Após a aplicação do corretivo usual para a educação daquele tempo, uma expressão que meu pai usou ficou para sempre no meu íntimo: “Pedro Felício é um homem de bem, é muito honesto e meu amigo. Eu não admito que você volte a falar o que falou dele! E está proibido de ir a esses comícios.” Realmente observava que papai se dava bem com todos os políticos do PSD e com seus eleitores também. Certa vez ele viajou com Pedro Felício, Jósio Araripe e outros amigos a Minas Gerais para comprarem gado da raça gir e nelore, ainda não existentes na nossa região. Muitos dos primos e primas do meu pai, da família Pinheiro eram do PSD e jamais houve inimizade entre eles.

Terminada a apuração da cidade, naquela época apuravam-se em primeiro lugar os votos das urnas da cidade e depois a votação dos distritos, Pedro Felício vencia o pleito com uma boa maioria, algo em torno de mil votos, se não me falha a memória. Para vice-prefeito, votava-se em separado, meu pai tinha quase a mesma votação que seu Pedro. Os “pessedistas” já comemoravam a eleição como certa. Diziam que aquela diferença não daria para os currais udenistas desfazerem.

Assistíamos ansiosos os resultados dos distritos e zona rural. Estávamos nas últimas urnas e a diferença cada vez mais sendo desfeita. Encerrada a apuração registrou-se a vitória do prefeito José Horácio Pequeno por uma pequena maioria, creio que 58 ou 63 votos, não lembro ao certo, só que foi por um valor muito pequeno. Eu estava presente ao encerramento daquela apuração, observando de longe a reação dos derrotados. Pedro Felício colocou o chapéu na cabeça, desceu humildemente as escadas da antiga prefeitura, onde hoje fica o museu do Crato, e se dirigiu à Rua Nelson Alencar, residência de José Horácio Pequeno.

A molecada acompanhava cantando o hino do “teimosão”. Vi quando ele entrou na casa do prefeito eleito, cumprimentou-o efusivamente, desejou os maiores êxitos para sua administração, bebeu o que lhe foi oferecido pelo anfitrião, participou da alegria dos vitoriosos por alguns minutos e, em seguida rumou para nossa casa para cumprimentar meu pai. Aquela atitude foi uma das maiores demonstração de urbanidade que eu já presenciei num homem público.

Quatro anos mais tarde, a UDN foi derrotada, e o Senhor Pedro Felício elegeu-se prefeito do Crato, na quinta tentativa.
Em 1972, candidatou-se uma segunda vez e foi reconduzido à prefeitura.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

5 comentários:

  1. Nesta ocasião eu ainda não votava, mas era uma fã numero um do Sr Pedro felício cavalcante, era muito agitado essa época e lembro que eu discutia muito com o Evandro Bezerra, quando finalmente ele venceu , foi uma alegria geral em minha casa.
    Que exemplo mesmo de homem, e de persistência.
    Depois estudei em sua escola e nos dávamos muito bem, ele tratava os alunos como filhos.
    Por ser "Teimosão" ganhou a eleição.
    Adorei esta matéria.
    Parabéns pela escolha Carlos Eduardo.
    Íris Pereira

    ResponderExcluir
  2. Prezado Carlos.

    É tarefa nossa, que convivemos com seu Pedro mostrar os seus belos exemplos. Ha poucos dias fiz uma postagem: Coisas do Senhor Pedro Felicio. Sentir falta de seu comentario. Nunca esqueci o dia que vi um neto de seu Pedro chegar pra ele e dizer; Vovô Alcides Peixoto esta lá na praça dizendo que o Sr. é ladrão. Seu Pedro disse: meu filho em que praça voce estava brincando? O garoto respondeu: Siqueira Campos. E seu Pedro Concluiu: meu filho vá brincar na Praça São Vicente. Seu Pedro perdeu até quando os adversario poderam tomar os resultados. Pedro Felicio foi a medida padrão da honradez e honestidade.

    ResponderExcluir
  3. São poucos homens honrados como antigamente.

    ResponderExcluir
  4. Meu abraço de agradecimento a Iris Pereira, Morais e Rolim. Fiquei feliz por haverem gostado do que leram.

    ResponderExcluir
  5. Iris, Dr. Rolim e Carlos Esmeraldo.

    Diante dos desmandos e da cara de pau dos politicos atuais, é prazeroso ler os exemplos de Pedro Felicio, Filemon Teles, Antonio Araripe e outros. Quanta diferença há, naqueles tempos não se faziam de cueca cofre. Felizmente, hoje, já se ver os que utilizaram destes meios pedindo o pinico.

    ResponderExcluir