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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sexta-feira, 8 de abril de 2011

SEXTA DE TEXTOS - Sávio Pinheiro


Segunda Feira, dia 11 de Abril, estreará na Rede Globo de Televisão, no Horário das Seis, uma nova novela com o nome de Cordel Encantado. O enredo da trama se propõe a mostrar o encantamento da Realeza Europeia e as Lendas Heróicas do Sertão Nordestino, temática sempre encontrada nas histórias de Príncipes e Princesas ou de Cangaceiros, dos romances de Literatura de Cordel ou folhetos de 32 páginas.

Thelma Guedes, descendente de pernambucanos, nascida no Rio de Janeiro e residente em São Paulo, juntamente com Duca Rachid, conduzirão a trama, que esperamos nós, sirva para minimizar o preconceito ainda existente com essa autêntica forma de expressão popular. Sem fugir do assunto, uma homenagem a esse estilo literário, que é hoje um bem imaterial do nosso país.

A ORIGEM DO CORDEL (TEATRO)

Cenário: Feira Livre com 03 barracas: Banca de Cordel, Barzinho e Venda de Santos.

Mãe sai em feira livre à procura da filha.

Mãe: - Filhinha, cadê você?

Responda-me, por favor!
Pois eu pretendo saber,

Já que por ti tenho amor.
Filha: - Estou procurando um livro...
Algo que tenha valor!

Mãe: - Olhe aqui nesta barraca
Do poeta Gil Vicente,

Quantos livros pendurados,

Que encantam esta gente.

Veja se você encontra

Uma leitura atraente!

A filha se dirige para a barraca, ao lado.

Filha: - Que barraca formidável
A mamãezinha encontrou.

Vendo aqui tantos livrinhos

Muito alegre, eu, já estou,

E este aqui pequenininho

Muito à atenção me chamou.

Mãe: - Este livrinho simpático
Feito com pouco papel

É bastante conhecido

E é chamado de cordel

Podendo sê-lo cantado

Por um cantor menestrel.

Filha: - Minha mãe, me explique agora
Quem formou este escritor

Proclamado de cordel

E que o povo dá valor!

Será ele brasileiro

Ou é lá do exterior?

Sem pensar duas vezes, o dono da barraca, Gil Vicente, exclama:

Gil: - O Cordel é a narrativa
Popular que está impressa

Em folhinhas de papel

Bem cumprindo a sua promessa,

Emitindo informações

De maneira bem expressa.

Filha: - O Cordel é um personagem
Da nossa literatura?

Gil:
- Não é não, bela menina,
Inocente criatura!

O cordel é a expressão

Mais honesta da cultura.

Filha: - Pois seu Gil, explique agora
Para toda a nossa gente

De onde surgiu o cordel

Desde quando era semente.

Gil:
- Vou explicar direitinho
Ou não sou o Gil Vicente.

Enquanto isso, um bêbado que bebe na barraca ao lado, aparece em cena se fazendo de intelectual.

Bêbado: - O cordel veio da Europa:
Da Espanha e Portugal.

Chegou, aqui, por Salvador,

Que era a nossa capital.

Veio na boca do artista

E era todo musical.

Um seminarista, vendedor de santos e estatuetas, envolve-se com a conversa e comenta:

Seminarista: - Entoando uma viola
Criava-se uma canção,

Que mesmo sem ser escrita

Por habilidosa mão,

Era levada à memória

E gravada com paixão.

Enquanto isso, os feirantes param para ver que peleja interessante está se formando.

Gil: - A disputa versejada
É chamada de peleja;

E a dupla de poetas,

Onde quer que ela esteja,

Fala com sabedoria,

Quero que você já veja.

Um feirante, que transitava no local, parou junto à barraca e instigou os poetas a cantarem em desafio.

Feirante 01: - Quero ouvir uma peleja
Queimando feito espoleta,

A qual envolva a mulher

A cachaça e o capeta,

Pra isso peço ao bebum

E ao Padreco, esta faceta.

Bêbado: - A cachaça é a minha água
E o meu remédio, o aguardente.

A mulher que tenho em casa

É perigosa e valente

Sendo mais ruim que o capeta,

Bem pior que dor de dente.

A sogra do bêbado, que neste momento comprava uma imagem do Padre Cícero, se intromete na peleja:

Sogra: - Seu bebum desajustado
A sua perigosa Aurora

É a minha filha querida,

Que, a todo o momento, chora;

E vai te dar um pé no bucho...

E voltar, comigo, agora!

Outro feirante, que tenta assistir a peleja, pede a continuidade do espetáculo.

Feirante 02: Prossigam no versejar,
Não se levem no fuxico,

Pois sogra só tem um lado,

O qual, agora, eu explico:

Só dá razão à sua filha...

Seja lá qual for o mico.

Seminarista: A mulher é valiosa
Como foi Nossa Senhora,
A cachaça é a perdição
Da noite ao romper da aurora,

E o capeta é um traste ruim...

Bem pior que catapora!

Bêbado: Seu Padreco me desculpe,
Mas não conheces mulher.

Essa aí é a minha sogra

E quando errada estiver

Defenderá sempre a filha

Para o que der e vier.

A sogra, sem se dar conta que está acontecendo uma peleja, se mete mais uma vez.

Sogra: Vagabundo, me respeite,
Pois sou pessoa sincera,

Batalhei muito no mundo

E boa vida me espera,

Porém está tudo escrito:

Tu serás a besta-fera!

Seminarista: Deixem essa discussão,
Falemos do bom cordel,
Da beleza da mulher,

Do seu honroso papel,

Da consequência do vício,

Que amarga, feito fel.

Nesse momento, o poeta Gil Vicente intervém falando do cordel.

Gil: O cordel é um estilo
Recriado no Brasil,

Que depois de recitado

Por um público varonil,

É escrito com decência

Por poetas, nota mil.

Feirante 03: Leandro Gomes de Barros
Foi um poeta popular,

Que editou muitos cordéis

De forma espetacular,

Garantindo, com sucesso,

Uma existência exemplar.

Feirante 01: Não podemos esquecer
Zé Maria e Patativa,

Mundim do Vale e Bidinho,

Outra dupla bem ativa,

Que na viola ou cordel

Mantém cadeira cativa.

Feirante 02: Hoje, o cordel é história,
Sublime literatura,

Está nas salas de aula,

Nas novelas, com bravura,

E na Universidade

Já faz parte da cultura.

Feirante 03: O Ariano Suassuna,
Um autêntico escritor,

Utilizou o cordel

Em pesquisas de valor,

Tendo o Chicó e o João Grilo

Premiado o seu autor.

Gil Vicente encerra a apresentação cantando um Martelo Agalopado, acompanhado de viola.

O Cordel vem de um tempo tão antigo,
Que na Grécia e Fenícia era normal

E ao passar pela Espanha e Portugal

Encontrou um ambiente bem amigo.

Pra vocês, desta plateia, eu vos digo,

Que o Cordel teve a luz e a persistência,

Pois o bom menestrel com eloquência

Executa contente esta peleja

E o leitor, por mais tristonho que esteja,

Verá sempre esta arte com decência.

Fim.

GLOSSÁRIO:

Gil Vicente: Grande dramaturgo português, além de poeta de renome. Viveu no séc. XV e XVI.

Cordel: Corda muito delgada. Os poetas populares as utilizavam para pendurarem os seus folhetos.

Literatura de Cordel: Forma de expressão literária utilizada pelo romanceiro popular nordestino, que se distingue em dois grandes grupos: o da poesia improvisada, cantada nas Cantorias de Viola e o da narrativa popular impressa, escrita em folhetos.

Canção: Pequena composição musical de caráter popular, sentimental ou satírica. Poema épico medieval, feito para celebrar feitos históricos ou lendários.

Peleja: Luta, combate, briga. No Cordel, embate entre dois poetas cantadores ou de bancada.

Viola: Nome de uma família de instrumentos de cordas friccionáveis muito populares nos séc. XVI e XVII. As violas assemelhavam-se ao violino, mas ao contrário destes, tinham fundo plano, tampo abaulado e seis cordas mais finas, mais longas e menos tensas. Instrumento utilizado pelo violeiro cantador.

Leandro Gomes de Barros: É considerado, por alguns, como o primeiro escritor brasileiro de literatura de cordel, tendo escrito mais de 230 obras. Foi o maior poeta popular do Brasil de todos os tempos. Carlos Drumond de Andrade o comparava a Olavo Bilac. Autor de vários clássicos e campeão absoluto de vendas, ultrapassou a casa dos milhões, na venda de folhetos.

Martelo Agalopado: Estilo de poema utilizado por cordelistas e cantadores, nos improvisos ou nos textos escritos. Compõe-se de uma ou mais estrofes de dez versos decassilábicos, com ritmo rigorosamente forte, marcando tônicas nas sílabas 3, 6 e 10.

Menestrel: Poeta da Idade Média. Na Europa Medieval era o vate, cujo desempenho lírico se referia a histórias de lugares distantes ou sobre eventos históricos reais ou imaginários.

10 comentários:

  1. Viva o Cordel. Salve os cordelistas.

    Parabens

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  2. Sávio, Cordel, Verso, seja lá o que for, resgata minhas lembranças de meu PAI. Ele sempre que viajava trazia um verso e me solicitava a leitura. Adorava a História de Alonso e Marina.
    Acho que é por isso que você traz no sangue a veia de cordelista.

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  3. Sávio,


    Com a mídia da Globo,agora o cordel vai ter o seu valor de destaque.Uma boa oportunidade de divulgar essa cultura cordelista.Vamos esperar.Abraços

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  4. Com essa produção da Globo, o Cordel terá a oportunidade de mostrar o seu protagonismo, o seu lado belo e de muita riqueza poética...
    Parabéns a todos os coderlistas do Brasil.

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  5. Dr. Sávio, que bela aula de Literatura você nos deu.
    Parabéns pelo poema. O Brasil precisa dar mais valor ao que temos de singular e belo ao mesmo tempo: Poesia, Cordel!

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  6. nessa você se superou não tenho duvidas esse vai pro meu blog amanhã abraços

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  7. Israel tem razão, Sávio, hoje você superou.Parabéns!!!!
    Blog do Sanharol, Fideralina,Rolim, Klébia, Israel,Artemísia,
    Tivemos uma áula fantástica de cordel. Vive les cordelistes!!!

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  8. Dr. Sávio

    Bem, em se tratando do nosso acadêmico varzealegrense, isso pra ele é pouco. Certamente se a Globo precisar de algum reforço em termos de cordel ninguém mais preparado que Sávio Pinheiro para auxiliar. entre seis e sete anos eu já era alfabetizado e o cordel foi desde cedo minha fonte de conhecimento. Chamávamos de romance e todo trocado que eu ganhava do meu tio era para compra de livretos de cordel.
    Parabéns poeta!

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  9. Morais,

    Viva a oportunidade de valorizar o enredo e não apenas o valor erudito do texto.


    Fideralina,

    O romance "A Força do Amor (Alonso e Marina)" é um folheto do poeta paraibano, de Pombal, Leandro Gomes de Barros.


    Rolim,

    O Cordel tem tomado um certo fôlego nos últimos vinte anos. Conseguiu sobreviver ao rádio, à televisão e, agora, à internet.


    Klébia,

    A peça o Auto da Compadecida, do genial Ariano Siuassuna, tem como base três clássicos da literatura de cordel:

    O Cavalo que Defecava Dinheiro e O Enterro do Cachorro, de Leandro Gomes de Barros, e As Proezas de João Grilo, história escrita em 1932, por João Ferreira de Lima.


    Artemísia,

    O seu comentário é muito valioso, pois sai da mente privilegiada de uma pedagoga envolvida com um ensino de visão crítica e de responsabilidade.


    Israel,

    Como sempre, vejo-o demonstrando a sua intuição e a sua percepção sobre um trabalho aproveitável, além do simples entretenimento. Parabéns!


    Fafá,

    Agradeço o comentário voltado para a educação, único recurso a ser utilizado pela sociedade, na tentativa de curar os seus males.

    Magnólia,

    Fico feliz em ver você antenada com a literatura portuguesa, que tanto inspirou os nossos autores, em tempos idos e vividos.

    Francisco,

    Você é o cara. Sei da sua admiração pela literatura e pelo teatro, mesmo sendo de brincadeirinha. A arte cênica encanta o nosso cotidiano e alegra a nossa vida.


    Um abraço em todos.

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  10. Sávio.
    Estava longe desta sexta só agora estou de volta,parabens pelo resgate
    do pioneiro em cordel,Gil Viccente.

    Peguei carona na barca do inferno
    Já ia com muita gente
    Um que usava terno
    Outro que nunca usou pente

    Dante nos explicava
    A quinta vala tá quente
    Eu que não imaginava
    Essa viagem derrepente

    Fui lá pra ponta da barca
    Com um sorriso 32 dentes
    Era essa a minha marca
    Andar com o Gil Vicente

    Conhecer os seus poemas
    Ver de perto o seu cordel
    Mas foi este o meu dilema
    Vi que não estava no céu

    Ali era o inferno
    O fogo queimou o papel
    Mas o filho de Vicente
    Fez renascer o cordel.

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