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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quarta-feira, 15 de junho de 2016

Histórias de varzealegrenses

Dr. José Correia Ferreira - Foi o segundo filho de Varzea-Alegre a se formar em medicina, 1936. O primeiro foi Dr. Leandro Correia 1915.

E teve o caso da paciente recomendada da minha tia Ester Correia. Entra com o marido, um sujeito afogueado, torado no grosso, olhos de espanto, chapeu de couro, toco de cigarro de palha no canto da boca, jeito de quem está vendo alma, por todos os lados. A mulherzinha parecia a alma que se procurava: pequena, magra, amarela, cabelos zangados com a disciplina, uns tics no canto direito da boca, pra completar, a coisa mais encabulada do mundo. Sentindo seu jeitão e a dificuldade que teria em lhe ouvir as queixas, procurei deixá-la a vontade, falando-lhe palavras afaveis, animadoras, tentando um bom relacionamento, como se diz. Depois de lhe perguntar, umas tres ou quatro vezes, de que se queixava, o que sentia, sem que ela desse uma palavra, perguntei ao marido: sua mulher não fala? É surda-muda? Foi então, que ela, rompendo o mutismo, falou: Minha doença quem sabe é Zé.

Aí o homem pegou pressão, assim como quem está foleando formigas e foi falando num ritmo irregular: ora, soprando para fora, ora, aspirando para dentro. E tome verbo: Seu doutor, esta muié tá se acabando viva. Voimincê credite que ela num drome, ela num come, ela num tem sustança pra nada e tem uma dor de cabeça afitiva, qui quando dá nela, lá nos tapumes da testa, a pobrezinha so farta correr doida. Enche os oios dagua, pega minhas mão, bota na cabeça dela e fica dizendo: Incaica Zé.

A muito custo, conseguir tomar a pressão, examinar-lhe os olhos, sentir-lhe o pulso, auscutar, percutir. Ela todo tempo se esquivando, se afastando, no mais inocente e desnecessario recato.

Decorridos umas tres semanas, em outro dia de feira, volta o Zé. E de melhor aspecto. Ao me ver, foi logo dizendo: vin só lhe dizer, meu doutor,qui a muié tá muito amiorada. Quaje boa, mesmo. Deus te proteja.

Dr. Jose Ferreira.

4 comentários:

  1. Um texto de prazerosa leitura esse do Dr. Jose Ferreira. O medico a antiga e sua paciente. Bela conversa.

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  2. No esclarecimento do cidadão faltou somente falar com precisão que a doença de sua mulher para o período talvez fosse à fome, pois na época morria muita gente causada por esse mal.

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  3. Intelectual, este ilustre filho d e Várzea Alegre, irmão d eJoaquim Ferreira e empresário Raimundo Ferreira com alguns livros publicados, sendo o mais importante, no meu parecer, " Minha Terra, Nossa Gente", Aqui em casa tinha e sumiu. A Biblioteca Pública não tem este livro, muito boa fonte de pesquisa para a história de noss aTerra. parabéns, pela homenagem.

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  4. Prezados João e geovane.

    Os termos são bem proprios de nossa verve:

    Voimincê, drome, sustança, afitiva, incaica, amiorada.

    Grande escritor.

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