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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 11 de junho de 2011

A DIVINA COMÉDIA - Canto III - O Inferno - Por Vicente Almeida

CANTO III

O portal do Inferno – Vestíbulo - Rio Aqueronte - Caronte

POR MIM SE VAI À CIDADE DOLENTE,
POR MIM SE VAI À ETERNA DOR ,
POR MIM SE VAI À PERDIDA GENTE.

JUSTIÇA MOVEU O MEU ALTO CRIADOR,
QUE ME FEZ COM O DIVINO PODER,
O SABER SUPREMO E O PRIMEIRO AMOR.

ANTES DE MIM COISA ALGUMA FOI CRIADA
EXCETO COISAS ETERNAS, E ETERNA EU DURO.
DEIXAI Ó VÓS QUE ENTRAIS, TODA ESPERANÇA!

Estas palavras estavam escritas em tom escuro, no alto de um portal. Eu, assustado, confidenciei ao meu guia:

- Mestre, estas palavras são muito duras.

- Não tenhas medo - respondeu Virgílio, experiente - mas não sejas fraco! Aqui chegamos ao lugar, do qual antes te falei, onde encontraríamos as almas sofredoras que já perderam seu livre poder de arbítrio. Não temas, pois tu não és uma delas, tu ainda vives.

Em seguida, Virgílio segurou minha mão, sorriu para me dar confiança, e me guiou na direção daquele sinistro portal.

O Vestíbulo ou Anti-Inferno

Logo que entrei ouvi gritos terríveis, suspiros e prantos que ecoavam pela escuridão sem estrelas. Os lamentos eram tão intensos que não me contive e chorei. Gritos de mágoa, brigas, queixas iradas em diversas línguas formavam um tumulto que tinha o som de uma ventania. Eu, com a cabeça já tomada de horror, perguntei:

- Mestre, quem são essas pessoas que sofrem tanto?

- Este é o destino daquelas almas que não procuraram fazer o bem divino, mas também não buscaram fazer o mal. - me respondeu o mestre. - Se misturam com aquele coro de anjos que não foram nem fiéis nem infiéis ao seu Deus. Tanto o céu quanto o inferno os rejeita.

- Mestre - continuei -, a que pena tão terrível estão esses coitados submetidos para que lamentem tanto?

- Te direi em poucas palavras. Estes espíritos não têm esperança de morte nem de salvação. O mundo não se lembrará deles, a misericórdia e a justiça os ignoram. Deixe-os. Só olha, e passa.

E então olhei e vi que as almas formavam uma grande multidão, correndo atrás de uma bandeira que nunca parava. Estavam todas nuas, expostas a picadas de enxames de vespas que as feriam em todo o corpo. O sangue escorria, junto com as lágrimas até os pés, onde vermes doentes ainda os roíam.

Quando olhei além dessa turba, vi uma outra grande multidão que esperava às margens de um grande rio.

- Quem são aqueles? - perguntei ao mestre.

- Tu saberás no seu devido tempo, quando tivermos chegado à orla triste do Aqueronte. - respondeu, secamente.

Temendo ter feito perguntas demais, fiquei calado até chegarmos às margens daquele rio de águas pantanosas e cinzentas.


O barqueiro Caronte à marge do Rio Aqueronte, agredindo
as almas a pauladas, ordena que entrem
no seu barco para a travessia



Chegava um barco dirigido por um velho pálido, branco e de pêlos antigos. Ele gritava:

- Almas ruins, vim vos buscar para o castigo eterno! Abandonai toda a esperança de ver o céu outra vez, pois vou levar-vos às trevas eternas, ao fogo e ao gelo!

Quando ele me viu, gritou:

- E tu, alma vivente, te afasta desse meio pois aqui só vem morto! - Vendo que eu não me mexia, mais calmo, falou - Tu deves seguir para outro porto, onde um outro barco, maior, te dará transporte.

- Caronte, te irritas em vão! - intercedeu o mestre - Lá, onde se pode o que se quer, isto se quer, e não peças mais nada!

Caronte então se calou, mas pude ver que seus olhos vermelhos ainda ardiam de raiva. As almas, chorando amargamente, se amontoavam na orla e Caronte as embarcava, uma a uma, batendo nelas com o remo quando alguma hesitava. Depois seguiam, quebrando as ondas sujas do rio Aqueronte, e antes de chegarem à outra margem, uma nova multidão já se formava deste lado.

Dante desmaia aterrorizado com o que vê

Enquanto Virgílio me falava sobre as almas que atravessavam o rio, houve um grande terremoto, seguido por uma ventania que inundou o céu com um clarão avermelhado, formando um redemoinho com as almas. O susto foi tão intenso que eu desmaiei e caí num sono profundo.

Continuaremos no Canto IV
11/06/2011

3 comentários:

  1. É...

    Ajuda ao Texto:

    O Portal do Inferno: não tem portas ou cadeados, somente um aviso sobre a entrada, que adverte: uma vez dentro, deve-se abandonar toda a esperança de rever o céu, pois de lá não se pode voltar.

    As almas entram porque querem. Na alegoria, essas almas são a imagem do pecado na pessoa ou na sociedade.

    A alma só tem poder de escolha enquanto viva, podendo decidir pelo céu ou pelo inferno. Depois de morta, perde a capacidade de raciocinar e tomar decisões.

    O ante-inferno,ou vestíbulo. Serve como destino para as almas que não podem ir para o céu nem para o inferno. É a morada dos indecisos, covardes e que passaram a vida em cima do muro.

    Em vida nunca quiseram assumir compromissos, tomar decisões firmes ou fazer qualquer coisa definitiva, por achar que assim perderiam a oportunidade de fazer alguma outra coisa.

    A sua neutralidade e falta de ação é retribuída na forma de um contrapasso, e agora são obrigados a correr atrás de uma bandeira que não vai a lugar algum. Eses espíritos não tem esperança de morte nem de salvação.

    Esse contrapasso, reflete, de forma simbólica, os efeitos do pecado cometido, aplicados como punição. Se baseia em uma justiça do tipo: "olho-por-olho, dente-por-dente".

    Vicente Almeida

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  2. "Olho por olho" e "dente por dente" é a famosa Lei de Talião.
    Ficar em cima do muro nunca foi um bom lugar. Sim, sim! Não, não!
    Ser quente ou frio, nunca morno...
    Um abraço, Vicente.

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  3. Melhor fazer errado, do que não fazer nada por medo de errar. Parabens Vicente. Abraço

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