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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 28 de julho de 2014

EPISODIO DA GUERRA DE 26 - POR ANTONIO GONÇALO DE SOUSA.


Os varzealegrenses já ouviram falar muito sobre a Guerra de 26. O conflito  foi ocasionado pelo fato de um prefeito que era da família Diniz  ganhou a eleição, mas não tomou posse porque a outra família que estava no poder, os Correias, resolveu não ceder o cargo ao ganhador do pleito. Foi um acontecimento que, em vez de tráfico, tornou-se até pitoresco. Uma história interessante. Mas houve um outro fato muito relacionado com o referido conflito bélico, que vou comentar adiante.
Antonio Gonçalo Araripe, meu avô, dentre outras características, era considerado um homem forte e de muita força. Em determinadas ocasiões deixava transparecer ser intempestivo e grosseiro, mas por dentro era uma pessoa especial. Morava com a família no Bairro Betânia e, chegando de uma de suas viagens, no dia 14 de novembro de 1926,  após dias de viagem de ida e volta  sua esposa, Maria Aninha, aproximou-se dele para dar a tremenda e triste notícia: 
- Antonio, dizem que os homens vão chegar amanhã cedo. Já estão nos arredores da cidade. Precisamos fazer alguma coisa, vamos sai daqui. 
- Que homens são esses muié, que estória de homens entrando na cidade.
-  E tu não tá sabendo que a guerra vai começar amanhã?
Antonio Gonçalo, que à época ainda iniciava a vida de tropeiro e  trabalhava tangendo animais de outros amigos, tinha que tomar uma decisão urgente de sair da cidade. Não dispunha de nenhum meio de transporte, portanto, aquela mudança repentina teria que ser feita a pé. É isso mesmo. Ele se apressa e, enquanto, planejava  a estratégia de arrumação dos trapos, era preciso também pensar em um lugar seguro e que não fosse muito distante,  afinal, tinha apenas à noite para sair dali com toda a família. Ainda antes da meia noite preparou toda mobília que, afinal, não era lá tão grande, mas, em se tratando de guerra, não havia também expectativa de quando voltariam para casa, sendo assim precisavam levar quase tudo. O casal Já tinha dois filhos: Luiz Gonçalo, com menos de dois anos e Raimundo Gonçalo, que nascera um mês antes do início do conflito armado. Além da mobília e dos meninos, havia um bem   que precisava ser levado também na viagem como sem falta: uma cabra, que forneceria leite para os guris durante a estadia. 
O destino traçado foi à residência do seu sogro João Cesário, no sítio Panelas, localizado a cerca de seis quilômetros da cidade de Várzea Alegre, lá residiam, como  ainda residem até hoje, grande parte dos familiares da esposa Maria Aninha. 
Resolvem ir naquela noite mesmo. Maria Aninha levava uma parte dos trapos e objetos dos meninos na cabeça e o filho mais novo no colo. Já ao marido, com aquele corpanzil e muita força, coube levar mais coisas: Uma grande trouxa com redes, roupas, lençóis, fronhas, alguns mantimentos, pratos etc.  Levou também no colo o filho mais velho e, como não tinha nenhuma mão livre para dominar a cabra, amarrou o cabresto na cintura e saiu puxando. Todo mundo sabe que bode é um animal esperto e andador  quando está livre, mas se alguém põe uma corda ou um cabresto no seu pescoço ele emperra de repente. Foi o que aconteceu com a cabrita. Fez pirraça, berrou e avisou que não queria ir. Porém, como era noite, a lua clara, mas ninguém estava acordado para ver, Antônio Gonçalo, que era acostumado a amansar burros, lutar com cavalos e jumentos, desprezou os apelos da bichinha e não perguntou se aquela cabrinha queria ir ou não, simplesmente caminhou.
Moral da história: Dizem que no dia seguinte amanheceram dois grandes riscos na estrada de Várzea Alegre ao Sítio Panelas. É claro, formado pelos ranhos dos cascos da cabrinha no chão. 
Na música “Os Contrates de Várzea Alegre”  gravada por Luiz Gonzaga e composta por  Zé Clementino,  há um verso que diz que naquele conflito bélico “houve três anos de guerra e não morreu um só cristão”. É possível imaginar que em todo  aquele conflito quem esteve mais perto de morrer foi àquela pobre cabra. Mas acho que ela escapou,  porque meu pai, o Raimundo, que tinha pouco mais de um mês de idade na época da guerra, tomou do seu leite e hoje é conhecido como Mundinho Gonçalo, está vivinho da silva, reside no belo Sítio Sanharol e vai completar 86 anos em outubro próximo. Deus é grande...           


Fortaleza – Ce. 21 de maio de 2012

Antonio GONÇALO de SOUSA

6 comentários:

  1. Prezado Antonio.

    O seu texto agrega valor a historia. Quando se escreve sobre o mandonismo que existiu nos velhos tempos muitos acham que é invenção e balela.

    No meu tempo de menino Seu Antonio de Gonçalo já morava no Sanharol e todo dia, as cinco horas da tarde, chegava em nossa casa e permanecia até as nove horas conversando com o meu pai.

    Os dois eram grandes amigoas. Um dia eu vi seu Antonio falando o quanto o povo do Sanharol era ordeiro e opacato. Dizia ele: se declararem guerra ao Sanharol terão que adiar para mandarem fazer as peixeiras. Pois aqui só existe quicer de apanhar arroz e não é todos que tem.

    Seu Antonio contava muitas historias de vida.

    Obrigado amigo.

    Abraços.

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  2. Trágica e ao mesmo tempo cômica, a história do Antônio Gonçalo.
    E ainda tem gente hoje em dia que fala em dificuldades.

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  3. OI Antônio,
    Que bom que você voltou!
    Cobrei e você volta! Não sabia que Seu Antônio tinha morado na Betânia.
    História, passada, verídica, o smoradores daqui Sanharol foram se refugiar naa Unha de Gato. Contavam os mais velhos que as casas ficarm tão lotadas, que muitos ficaram arranchados em moitas de mufumbo.A resideência de Zé Bitu e D. Biluca esguarnecida por "cabras" de Mauro Leal", que era primo d eS, Biluca. No Sanharol só ficou Mãe D'Doar, que era aliada dos "Correias".

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  4. Episódio triste e lamentável que marcou a prineira eleição de Várzea Alegre com voto secreto. Os "Correias" perderam ne urna e na bala, mas dias depois José Correia Lima ssumiu através de um golpe patrocinado pelo governador do estado.

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  5. Prezado Geovane.

    Você agregou muitos conhecimentos a historia. Mas um testemunho do mandonismo da época, pela força. Hoje se faz comprando. Cada um tem seu preço. Desde a Bolsa Família, institutos de pesquisas, Imprensa, banqueiros e empresarios.

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  6. Com certeza, Morais, uma falsa democracia.

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