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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 16 de março de 2013

CAUSOS LÁ DE NÓS - Por Mundim do Vale.

A  REDE  VÉA.

O musical  REDE VÉA, de autoria do Coronel Ludugero, fez muito sucesso no sertão e talvez tenha servido de consolo para José de Lula Goteira ( Zé de Lula. )
Zé casou-se com Luíza num tempo em que as coisas em Várzea Alegre-Ce estavam um tanto difícil. Arranjaram para o casal uma casinha no sítio Sanharol, pouco maior do que uma casa de botão, não tinha conforto, mas o casal não pagava aluguel.
Um dia seus amigos Luís Bitu e Demontier Freitas resolveram fazer uma visita ao casal. Para tanto eles passaram no mercadinho de Luís Cavalcante e pediram para que Luís preparasse uma cesta básica no capricho. Subiram para o Sanharol com a cesta, quando chegaram no terreiro, já viram o retrato da pobreza. As portas e  as janelas mais pareciam com gaiolas, quem estivesse fora podia visualizar toda a movimentação da casa.
Os visitantes entraram com a cesta e já viram que na sala não tinha nenhum móvel, passaram por um corredor estreito até chegarem na cozinha. Lá eles encontraram um pote com uma tabua na boca e na tabua uma lata de erviha seca, que servia como copo, uma mesa de camaru com três tamboretes, um fogão de lenha apagado e do lado do fogão um giral de varas, com panelas e pratos de barro. De uma porta que dava acesso a um quarto, eles viram uma rede armada que só deu pra saber que era uma rede, porque tinha os punhos, o resto era uma lona listrada mais surrada do que bermuda de sapateiro. O piso de barro batido caracterizava o estado de pobreza. Aquele casal estava distante de atingir a classe baixa, porque ainda sobreviviam na classe da miséria.
Começaram a conversar e Luíza foi desembalando a cesta, sem achar local para botar tantas coisas. Quando pegou no café e no açúcar disse que ia fazer um café para as visitas.
Zé de Lula recomendou:
- Luíza. Tenha coidado, bote pouco açúcar e pouco pó, pruque esse povo rico gosta de tumar café é fraco e amaigoso.
Depois do café pronto Luíza pegou um saco de pão bola e um pote de margarina, mas foi interrompida pelo marido que disse:
- Carece não, muié, esses caba num gosta de pão não, pruque tem massa e ingorda, eles acha bom é fruita.
Nessa hora do café Luís Bitu perguntou:
- Zé. Porque você não arranja uma espingarda com Pinga Bitu  e vai atrás dumas caças para a mistura?
- É pruque eu nu tem a munição. Ou será qui vocês butaram chumbo e póiva nessa cexta?
- Não, porque é proibido vender munição.
- Se é proibido vender, tombém é proibido matar. É mais mió eu aimar fojo no pé da serra prumode pegar preá, qui pelomeno ninguém vai iscutar tiro.
Depois que tomaram o café Luíza saiu no terreiro para lavar umas coisas e Demontier aproveitou pra falar também:
- Zé, E não ví cama aqui na sua casa. Porque você não manda Zé Mouco fazer uma?
- Pruque eu num pussui dinheiro.
- E como é que tu presta conta com Luíza?
- Ora mais tá ! É na rede véa qui nem Ludugero.
- Mais homem, na rede não presta não, além de desconfortável ela pode rasgar.
- Sela sirasgar nóis termina no chão.
Terminada a visita os visitantes foram saindo quando Zé gritou:
- Ei ! Isbarraí. Quando vocês quiser vim de novo, me avise qui é prumode eu pegar uns preá, mais traga a cesta de novo e num sisqueça de trazer uma bermuta pra eu e um corte de chita pra muié.

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