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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 7 de maio de 2013

CAUSOS LÁ DE NÓS - Por Mundim do Vale.

VAI  PERDER  UM  CHORADOR

Meu parente Antônio Inácio, ainda  menino morava com os seus pais no sítio Serrote. Certo dia morreu um parente lá no  mesmo  sítio e quando foi por volta das 15 horas passou um portador avisando do velório para a família. O casal se preparava para ir quando o garoto Falou:
- Mãe deixa ei ir tombém pra sentinela. ( Naquele tempo era assim que chamavam velório )
- Não meu filho sentinela não é coisa pra criança.
- Mais eu quero mãe. Deixa mãe, deixa!
- Pois tá certo você vai.  mas  primeiro vá jantar que o de comer já tá pronto.
- Não mãe deixe pra volta, pruque  nas sentinela sempre tem um quebra jejum.
Seguiram os três quando chegaram  na  casa  do  falecido o casal ficou dando os pêsames aos familiares e  Antônio  entrou  logo  na  sala,  onde o  corpo  estava  sendo velado numa rede. O menino  agarrou-se  nas  varandas e se danou a chorar. Chorava muito mais do que Madalena, quando Zé Vicente viajou pra trabalhar numa frente de serviço do DNOCS.
Por  volta  das  21  horas  passaram  uma  mulheres  servindo  chá e café com cuscuz. Antônio aumentava  o  volume  do choro  toda as vezes que as mulheres passavam por perto dele, mas nada de ser servido. Naquele velório criança não tinha vez.
Quando o garoto notou que  não seria  servido, largou as varandas da rede, saiu soluçando em procura da mãe e falou:
- Mãe! Esse  defunto  vai  perder  um  chorador!  Eu  vou  pra  casa  pruque num tou apariado a passar a noite chorando  sem comer  nada não.  Se eu  ficar  aqui é capaz de botarem eu junto cum o falicido.
- Pois vá meu filho. Eu deixei um prato de arroz dentro da gaveta do armário da cozinha.
Antônio  chegou  em  casa  mais abatido do que Judas de favela. Acendeu uma lamparina, que pouco  iluminou,  porque  o  gás   estava  acabando. Quando  abril  a  gavetas  viu  uns  pontos dourados sobre o prato e aí pensou com ele mesmo:
- Mãe tava era  cum  brincadeira  cum  eu. Ela  dixe  qui  era só arroz branco, mais butou toicim torrado tombem. Se eu  subesse disso num tinha ido chorar tanto.

Quando  Antônio  bateu com a colher  no  prato  os  toucinhos  saíram  todos correndo dentro da gaveta. Ele aproximou a luz mais um pouco, aí foi quando notou que eram baratas.

Um comentário:

  1. Prezado Primo Mundim.

    Vi e ouvir Antonio Inácio contar essa historia mais de uma vez. O morto era João Bitu, filho de Antonio Bitu e Madalena do Serrote.

    Segundo Antonio Inácio ele fazia parceria no choro com Doca Bitu, irmão do morto. Quando deram caldo ao Doca e não lhe deram, perderam o chorador. Antonio foi embora pra casa.

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