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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

ORDEM E PROGRESSO EM VÁRZEA ALEGRE - Por Antonio Gonçalo de Sousa


Era bonito de se ver a importância da autoridade de Levi Nogueira gritando palavras de ordem, que ressoavam na esquina  da farmácia de Zé de Ginu, antes mesmo do desfile apontar na rua do Juazeiro (Dr. Leandro Correia). Apesar do som estridente da charanga, os plenos e bons pulmões do devotado comandante ecoavam  na esquina do mercado público: “Direita volver”, “escola”, “marchar!”. E a multidão acompanhava o cortejo naquele céu azul das ruas de Várzea Alegre. O coração de cada um dos cidadãos daquela simples cidade sentia a sensação de “ordem e progresso”  e era como se ali representassem as linhas retas das ruas  de Brasília. O importante era venerar o Pavilhão Nacional, que ia à frente desbravando o calçamento, ou até mesma alguma viela em chão batido. Além das devotas professoras, que não se furtavam em auxiliar o mestre de cerimônias dedicado, haviam ainda as presenças dos paroquianos e destemidos “Paulo de Vicente Cesário” e Luiz de Expedito Beca”, que, como cabos de guerra, mostravam autoridade e exigiam disciplina e perseverança dos alunos. E olha lá se algum deles fosse flagrado olhando de lado, em contrapasso ou sem obedecer o alinhamento do pelotão. 
   

Os preparativos e ensaios duravam cerca de um mês, para, finalmente, professoras dedicadas e demais auxiliares aviarem faixas de papel crepom em verde e amarelo, cavalos enfeitados, fitilhos, cornetas, tamborins estilizados, comitiva cívica, tudo ali feito comissão de frente em desfile de escola de samba. Os estilos diferenciados das fardas cortada em caque, com duas listas brancas verticais nos lados das pernas das calças dos homens e os mesmos distintivos  horizontais nas sais plissadas das mulheres diferenciavam e indicavam que ali estavam os pelotões do Grupo Escolar José Correia, que representava a elite das escolas da cidade. Mais atrás e, não deixando transparecer humildade, vinha o pelotão com uniformes em calça de brim cor de cinza e camisas brancas, com uma fina e discreta lista branca enfeitando os lados das calças dos homes e, pelo que lembro, nas saias das mulheres não havia nada de especial. Eu e outros colegas estávamos ali naquele meio. Entusiasmados.  Outras escolas, das quais não me lembro dos nomes também desfilavam. O estridente apito final só viria quase ao meio dia, quando os alunos já suados e famintos assistiam esticados e fervorosos discursos das autoridades em frente à Prefeitura Municipal.


No final da solenidade, todos voltavam cansados, mas aliviados iguais ao Príncipe D. Pedro, quando, às margens do Ipiranga, arrancou do peito as insígnias que prendiam o Brasil à Coroa de Portugal. Eram tempos de chumbo, ditadura militar, greves, protestos, que na maioria deles não chegavam a ser conhecidos por aquela nobre plebe varzealegrense. O importante era que o Brasil estava em “Ordem e Progresso”. Talvez, por trás das guirlandas do palanque, de um rádio simples em uma cabeceira de mesa de uma casa igualmente singular, pudesse ser ouvido o som estridente da bela música de Dom e Ravel: “Eu te amo meu Brasil eu te amo, meu coração é verde e amarelo e branco azul anil”.........    

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