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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Lula e Barbosa, duas faces de um projeto - Por Paulo Ghiraldelli, O Globo


Nunca houve nada igual a Joaquim Barbosa no STF. Ele mudou a face do Supremo e, de certo modo, do Brasil.

O ministro Barbosa é fruto do mesmo movimento que criou o PT. Ele poderia ter sido estudioso e inteligente como de fato foi e ainda é, mas não chegaria ao que chegou sem que, junto do movimento social que criou o PT, também não emergissem os movimentos de minorias que, enfim, o indicaram a Lula para ser ministro.

Chegando ao Supremo, ele fez a parte do projeto do movimento social que Lula havia deixado de fazer. Lula tirou muita gente da miséria, fez uma parte do prometido. Barbosa fez a outra parte: ele prendeu aqueles políticos — até um ex-ministro — metidos em corrupção e que atentaram contra o funcionamento da democracia liberal, consagrada na nossa Constituição.

Lula deveria ter compreendido Barbosa como o homem que estava fazendo o outro lado do que ele próprio, Lula, sempre quis fazer, ao menos até o mensalão. Mas Lula não conseguiu entender Barbosa porque no meio do caminho deixou alguns do PT irem longe demais. Ou melhor, não deixou, apenas não conseguiu mais impedi-los, uma vez que ficou nas mãos das negociatas do “mensalão” e adendos.

Barbosa fez valer sua cor, sua raça — em duplo sentido. A cor lhe deu orgulho para não ceder. A raça ele mostrou ter ao enfrentar não só o governo, mas também a oposição (não se enganem quanto às elites brancas e seu “apoio” a Barbosa!), para levar adiante, como fez, o embate contra forças poderosíssimas, inclusive as alocadas em parte da mídia. Barbosa agiu sozinho.

Engano pensar que teve apoio político-partidário. Ele sempre soube que nenhum dos partidos o queria como um intelectual independente. Poucos negros tiveram tamanha consciência étnica!

Talvez Lula, a quatro paredes, em determinados momentos, possa até se imaginar como sendo aliado de Barbosa. Mas talvez não mais. Pode ser que o cachimbo já tenha moldado a boca de Lula de tal maneira que tudo que ele fala, até sozinho, seja já com a boca torta. Talvez ele não reconheça o Lula dos anos 80, parecido com Barbosa, no espelho de hoje. Mas Barbosa se reconhece o mesmo.

Faltam bons passos para sermos uma autêntica república democrática. Mas, em 40 anos, ao menos por esse prisma que enfoquei, fizemos muito. Lula e Barbosa vão ser lembrados no futuro, e já estão sendo lembrados, como heróis desse tempo.

Como também acontecerá com Fernando Henrique Cardoso, que faz parte do mesmo ciclo, como o professor que instaurou a estabilização da moeda, propícia para os feitos de Lula e Barbosa. Os historiadores preocupados com ciclos médios, então, escreverão a História como eu a esbocei aqui. Vocês verão.

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