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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 11 de março de 2017

Uma crônica escrita há quase 100 anos

Monteiro Lobato – conhecido intelectual brasileiro – que abraçou idéias marxistas, escrevia muito bem,  era conhecido pela coragem de dizer o que pensava, sem preocupação de desagradar. Abaixo uma crônica por ele escrita em 1918, publicada na “Revista do Brasil”, nº. 36, vol. IX, ano III, pp.387/391. (Os grifos em negrito são meus).

Dom Pedro II era a luz do baile -- por Monteiro Lobato


   O fato de existir na cúspide da sociedade um símbolo vivo e ativo da Honestidade, do Equilíbrio, da Moderação, da Honra e do Dever, bastava para inocular no país em formação o vírus das melhores virtudes cívicas.

    O juiz era honesto, se não por injunções da própria consciência, pela presença da Honestidade no trono. O político visava o bem público, se não por determinismo de virtudes pessoais, pela influência catalítica da virtude imperial. As minorias respiravam, a oposição possibilizava-se: o chefe permanente das oposições estava no trono. A justiça era um fato: havia no trono um juiz supremo e incorruptível. O peculatário, o defraudador, o político negocista, o juiz venal, o soldado covarde, o funcionário relapso, o mau cidadão enfim, e mau por força dos pendores congeniais, passava, muitas vezes, a vida inteira sem incidir num só deslize. A natureza o propelia ao crime, ao abuso, à extorsão, à violência, à iniqüidade – mas sofreava as rédeas dos maus instintos a simples presença da Eqüidade e da Justiça no trono.

    Ignorávamos isso na monarquia. Foi preciso que viesse a república, e que alijasse do trono a Força Catalítica para patentear-se bem claro o curioso fenômeno. A mesma gente, o mesmo juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário até 15 de novembro (de 1889), bem intencionado, bravo e cumpridor dos deveres, percebendo, na ausência do imperial freio, a ordem de soltura, desaçamaram a alcatéia dos maus instintos mantidos em quarentena. Daí o contraste dia a dia mais frisante entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob qualquer das boas intenções quadrienais que se revezem na curul republicana.

    Pedro II era a luz do baile. Muita harmonia, respeito às damas, polidez de maneiras, jóias de arte sobre consolos, dando o conjunto uma impressão genérica de apuradíssima cultura social.

    Extingue-se a luz. As senhoras sentem-se logo apalpadas, trocam-se tabefes, ouvem-se palavreados de tarimba, desaparecem as jóias...

     Como, se era a mesma gente? Sim, era a mesma gente. Mas gente em formação, com virtudes cívicas e morais em início de cristalização. Mais um século de luz acesa, mais um século de catálise imperial, e o processo cristalizatório se operaria completo. O animal, domesticado de vez, dispensaria açamo. Consolidar-se-iam os costumes. Enfribrar-se-ia o caráter. E do mau material humano com que nos formamos sairia, pela criação de uma segunda natureza, um povo capaz de ombrear-se com os mais apurados em cultura.

     Para esta obra moderadora, organizadora, cristalizadora, ninguém mais capaz do que Pedro II; nenhuma forma de governo melhor do que sua monarquia.

Um comentário:

  1. Prezado Amando - Uma preciosidade da lavra do Monteiro Lobato, o mesmo que na republiqueta do PT, do Lula e com licença da palavra Dilma Roussef, uma ministra da igualha deles ou pior achou de censurar sua obra. Se a ministra lesse esse texto certamente ficaria com maior ódio ainda porque o texto trata de tudo que a republica atual, o governo a quem ela serviu não tem. Falta-lhe honra, ética, caráter, bons costumes e vergonha.

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